«Fome»
Filhos da Fome/ Staell
581- «FOME»
«Excertos»
"Naquele tempo, com a barriga na miséria, eu vagava
pelas ruas de Cristiânia, cidade singular,
que deixa marca nas pessoas..."
"Durante todo o verão vagueei pelos cemitérios ou no
Parque do Castelo: aí me abancava e escrevia artigos para os jornais, colunas e
mais colunas, sobre as coisas mais diversas: invenções estranhas, maluquices,
fantasias de cérebro agitado. Em desespero, escolhia frequentemente os assuntos
menos actuais, que me custavam longas horas de esforço e nunca eram aprovados.
Acabado o artigo, atacava outro, e raramente me desencorajava pelo
"não" dos redatores-chefes, dizia sempre a mim mesmo que acabaria
vencendo. E, de fato, se estava de veia e o artigo saía bem feito, acontecia-me
receber cinco coroas pelo trabalho de uma tarde."
"A ideia de Deus voltou a preocupar-me. Era
absolutamente injustificável de sua parte interpor-se toda vez que eu procurava
um emprego, e estragar tudo, quando minha aspiração se resumia em ganhar o pão
cotidiano. Eu observara muito bem que, se jejuasse durante um período bastante
longo, era como se os miolos me escorressem suavemente do cérebro,
esvaziando-o. A cabeça tornava-se leve, como que ausente; já não lhe sentia o
peso sobre os ombros, e, se olhava para alguém, tinha a sensação de que meus
olhos estavam fixos, arregalados.
Sentado no banco, e absorto nessas reflexões, sentia-me cada
vez mais azedo com relação a Deus, por causa de suas insistentes provocações.
Se ele supunha chamar-me para junto de si e aperfeiçoar-me pelo martírio,
acumulando mortificações em meu caminho, estava um tanto enganado, podia
garantir-lhe. Levantei os olhos para o Altíssimo, quase chorando de orgulho desafiador,
e disse-lhe essas coisas uma vez por todas, mentalmente."
"À medida que as horas passavam, eu me via cada vez
mais carcomido física e moralmente, e deixava-me levar à prática de acções cada
vez menos honestas."
Knut Hamsun
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