«A Última Dádiva»
O Abraço
594- «A ÚLTIMA DÁDIVA»
«- Pois são horas de largar, Sr. José, isto vai prás duas.
Não tarda que comece a amanhecer. - E como estavam à porta de casa: - Será bom
acordar já o pequeno: veste, não veste, é tempo que se vai. - Iam à vela se o
tempo não mudasse. Era bom aviar, por isso.
Mas, à ideia de ter de acordar o pequeno, o José Cosme
deixou-se cair pelo banco que estava debaixo do alpendre e desatou a chorar
violentamente.
O barqueiro tentou animá-lo, constrangido:
- Então, Sr. José?... O chorar é lá para as mulheres! Olhem
agora que homem! - E tentava levantá-lo, pô-lo de pé. - Limpe lá essas lágrimas
que vai afligir o pequeno! Ou quer que ele vá a chorar todo o caminho?
O Cosme fez que não com a cabeça, violentamente, e pôs-se a
enxugar os olhos com a manga da camisa.
- Pois então levante-se lá. - E segurou-o com força por
baixo dos braços. Assim! Lá porque o pequeno vai para o Brasil, não fique
vossemecê a pensar que o não torna a ver!
Mas era isso mesmo o que ele pensava...
- Porque não sei que me adivinha que não torno a ver o
pequeno! - concluiu a chorar o José Cosme.
- Cismas!, lembranças que vêm à gente quando está aflita.
Mas há-de vê-lo que o não há-de conhecer, digo-lho eu! Mais ano mesmos ano,
aparece-lhe aí rico...
“Rico! Bem lhe importava a ele que o pequeno viesse rico! O
que desejava era que voltasse e que ele ainda fosse vivo só para o abraçar.”
[...]
O José Cosme acendeu então a candeia, receoso de que a luz o
acordasse, e achegando-se do filho pôs-se a escutar-lhe a respiração.
Dormia!... Mas brandamente pousou-lhe a mão sobre a cabeça, e chamou baixinho,
quase ao ouvido, beijando-o, sobressaltado, como se fosse praticar um grande
crime:
- Filho, olha que são horas, meu filho...»
Trindade Coelho
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