«O Deserto do Amor»
Romance de François Mauriac
639- «O DESERTO DO AMOR»
[Pequeno Excerto]
Raymond atravessou o Sena deserto, olhou o relógio da
estação: seu pai já devia estar no trem. O moço desceu a plataforma de
embarque, seguiu ao longo do comboio, não precisou procurar muito: atrás de uma
vidraça se destacava o rosto morto; as pálpebras estavam fechadas, as mãos
juntas sobre um jornal aberto, a cabeça um pouco derrubada para trás, a boca
entreaberta. Raymond tocou com o dedo o vidro: o cadáver abriu os olhos,
reconheceu quem batera, sorriu e tropeçando, adiantou-se ao seu encontro pelo
corredor.
Mas toda a sua felicidade se envenenou ante o receio pueril de que o
trem partisse sem que Raymond tivesse tempo para descer:
- Agora que já o vi, que sei que você quis me rever, vá
embora, meu querido: estão fechando as portas.
Em vão o filho lhe garantiu que ainda restavam cinco
minutos, e que, além do mais, o trem pararia na estação de Austerlitz; o velho
só se acalmou quando viu Raymond novamente na plataforma; então, baixando o
vidro, envolveu-o num olhar cheio de amor.
Raymond indagava se nada faltava ao viajante; quereria outro
jornal, um livro? Marcara lugar no carro-restaurante? O doutor respondia:
- Sim, sim… – e devorava com os olhos aquele rapaz, aquele homem tão diferente dele, tão parecido com ele – essa parte do seu ser que lhe sobreviveria algum tempo e que ele não deveria rever nunca mais.
François Mauriac
Sem comentários:
Enviar um comentário