3º capítulo de «Um Conto», da autoria do escritor Amadeus Saraband. Pode ler aqui- «1º
CAPÍTULO - «UM CONTO», POR AMADEUS SARABAND» e aqui- «2º
CAPÍTULO - «UM CONTO», POR AMADEUS SARABAND», apanhando assim o fio à meada antes de ler a terceira parte da obra. Dou uma pequeníssima ajuda, resumindo os dois últimos parágrafos do 2º capítulo: nascimento dos filhos de Rufino Potra e Ana Milongo, dois gémeos e duas gémeas, de seus nomes João e Jacinto, Rosalía e Eva. Nesta altura da história, o tio Rufino Potra (seu sobrinho, como devem estar recordados, tinha o mesmo nome) já havia falecido, não chegando a conhecer as crianças. Porém, tinha-o feito herdeiro de todos os seus bens, fazendo dele um dos homens mais ricos da cidade de Luanda.
Poet'anarquista
«UM CONTO», por Amadeus Saraband
3º capítulo
A Guerra Colonial
«A Revolução Interior»
Por José Carlos Fernandes
No princípio dos anos sessenta,
quando os filhos entravam na adolescência e a guerra colonial começou a fazer
as primeiras vítimas é que, verdadeiramente, começaram os trabalhos deste
casal. Casal que até era apontado, em certos meios, como o verdadeiro exemplo e
realização da presença portuguesa em África.
Não é, porém, para falar da guerra
colonial que aqui estamos. Esses assuntos apenas aqui serão abordados na medida
em que tiveram influência no que pretendemos contar.
Todos os filhos de Rufino Potra e
Ana Milongo tomaram partido, durante os anos sessenta, no que diz respeito à
guerra. O primeiro a juntar-se à guerrilha foi o João; logo de seguida, o
Jacinto desapareceu, e só um ano mais tarde deu notícias; estava em Argel e
dizia que só voltaria a Angola quando esta fosse um país independente.
Mais tarde, souberam que o João
tinha sido aprisionado pelas tropas portuguesas e estava preso no campo de
concentração de S. Nicolau, no sul da Angola. E embora fossem permitidas
algumas visitas por parte dos pais, a verdade é que nunca mais se restabeleceu
a relação de intimidade que tinha existido antes.
As gémeas, Rosalía e Eva, também
muito cedo se manifestaram a favor da independência de Angola.
Os quatro manos à fogueira, na conversa
Quadro de Neves e Sousa
Quando vieram
para Lisboa, já como alunas universitárias,
participaram activamente em movimentos estudantis avessos ao regime e,
antes de terminarem os cursos, também rumaram a Argel e acabaram por integrar
as fileiras de um dos movimentos de libertação de Angola.
Por essa altura já os negócios de
Rufino estavam a correr mal.
Nada aconteceu por acaso.
Primeiro, foi o desgosto de nada
saber dos filhos mais velhos; durante anos não teve a menor notícia deles.
Depois, as filhas seguiram as pisadas dos irmãos e voltou a repetir-se a
situação.
A mulher, Ana Milongo, refugiou-se
na religião e procurou aí a cura para os desgostos.
O entusiasmo que Rufino sempre
sentira pelos negócios foi esmorecendo e, por fim, desinteressou-se completamente.
Os gestores que colocou à frente das empresas não terão sido a melhor escolha e
rapidamente foram perdendo competitividade na economia da cidade, acabando por
abrir falência.
Foi assim que aquela família, que
já tinha sido um exemplo para a comunidade, se viu, no espaço de uma dezena de
anos, arruinada economicamente, destroçada e dividida como agregado familiar.
Rufino, depois de liquidar o que
restava dos seus negócios, passou a viver de alguns, parcos, muito reduzidos
rendimentos.
Assim se viram estes dois seres,
Rufino e Ana Milongo, completamente isolados, vivendo cada um em seu lado
naquele enorme casarão, ali para o lado das Ingombotas.
Esse casarão fora o único património que restara dos tempos passados.
Casarão de Rufino e Ana nas Ingombotas
«Recanto dos Muceques - Luanda»
Por Neves e Sousa
Até que um dia aconteceu o inesperado
: Em Lisboa, dera-se uma revolução. As Forças Armadas, através de um punhado de
jovens oficiais, assumiram o poder.
«O Renascer da Esperança»
Comemoração do 25 de Abril de 1999
E, subitamente ... bem ... não tão
subitamente assim, mas umas semanas depois, o filho João, que estava preso no
campo de concentração de S. Nicolau, apareceu em casa e disse que o mano
Jacinto também deveria regressar em breve. Quanto às manas, Rosalía e Eva, não
tinha qualquer informação porque se encontravam em missão no estrangeiro e era
provável que o seu regresso não se desse de imediato. Os pais, para falarmos a
verdade, não o entenderam muito bem.
O entendimento completo da situação
só viria depois, quando a cidade se encheu de guerrilheiros de todos os
movimentos de libertação, que disputavam os diversos bairros, esquina a esquina,
casa a casa. Era a guerra civil que começava a ganhar dimensão.
Quando, passados cerca de dezoito
meses, se soube que os “mobutus” já estavam perto de Catete, e os “apartaides”
estavam a chegar a Novo Redondo, cercando Luanda, Rufino Potra e Ana Milongo,
meteram-se num avião da ponte aérea, e aterraram em Lisboa a 12 de Novembro de
1975.
Rufino e Ana Milongo no Avião para Lisboa
Por João Fontes
Os filhos já estavam todos em
Luanda, mas passavam-se semanas que não iam a casa dos pais. Estes, estavam
aflitos porque não compreendiam a actividade dos filhos; a segurança nas ruas
era nula; todos as noites havia tiroteios na cidade; e nos últimos meses o
casarão das Ingombotas tinha sido ocupado para ali instalar uma espécie de
quartel-general, pois a toda a hora entravam e saíam militares. Que, embora
fossem negros e mestiços, falavam espanhol. Cubanos, se diziam.
Fartos de se sentirem intrusos na
sua própria casa, deixaram recados aos outros filhos e, com a ajuda de Rosalía,
entraram no avião que os trouxe para Lisboa.
Amadeus Saraband
(amanhã, 4º e último capítulo)
Poet'anarquista
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