Só uma breve nota: «a obra de ficção», como o próprio autor refere na sua introdução e de que daremos conta aos leitores, vai ser dividida em «quatro capítulos», com publicação diária no Poet'anarquista.
Acerca de Amadeus Saraband,/ pouco poderei acrescentar.../ a escrita soa-me familiar,/ não sei ao certo d' onde!?...
Sobre «Um Conto»: apenas dizer que o personagem Rufino Potra se assemelha um pouco a um personagem da vida real, que minha mãe de quando em vez falava. Era o carpinteiro de serviço lá de casa, como tinha por hábito dizer-se, sempre chamado para fazer ou consertar fosse o que fosse, trabalhando a madeira como poucos. Minha mãe adorava observá-lo e ouvir as suas histórias, dizia que se fartava de rir e que ele tinha um jeito especial para contar todas as peripécias, dando grande ênfase aos pequenos pormenores. Um certo dia, meados dos anos sessenta, o carpinteiro foi chamado para mais uma vez acrescentar o parque de madeira. O parque já tinha aprisionado cinco irmãos, sem nenhum deles alguma vez ter escapado, que é como quem diz, dar o salto para o outro lado, o lado da liberdade. Mas com o sexto irmão as coisas mudaram de figura. Apanhou-lhe o jeito, e volta que não volta, lá estava ele do outro lado a fazer das suas. Parecia serem precisos muitos olhos para controlar todos os movimentos do petiz, muito desinquieto por sinal.
Concluindo: o carpinteiro tinha sido chamado novamente para consertar o velho parque de família. Terminado o acrescente, despediu-se com um sorriso para minha mãe, e disse-lhe: «menina, quantos dias vai estar sem o saltar desta vez?...».
Ainda o carpinteiro não tinha chegado à porta da rua, já minha mãe gritava com todas as suas forças: «ele já saltou, ele já saltou! Volte para acrescentar!...».
Poet'anarquista
«UM CONTO», por Amadeus Saraband
1º capítulo
«Esta obra é uma ficção. Qualquer
semelhança com a realidade, é pura coincidência.»
Era uma vez um homem ...
Alentejano por nascimento, um dia
partiu para África, e por lá fez a sua vida.
Anos mais tarde, muitos anos mais
tarde, voltou à sua terra.
Rufino José Potra, assim se
chamava.
Esta ... é a sua história ...
Rufino José Potra
Por JPGalhardas
O Rufino, nasceu exactamente um
mês depois da morte do pai.
Corria o ano de 1922.
Aquela que viria a ser sua mãe,
mulher bonita e trigueira, muito desembaraçada de modos, perdera-se de amores
por um amolador de facas e tesouras, também exímio a consertar guarda-chuvas e
a rebitar panelas, tachos e alguidares. Homem sem pouso regular, amigo de copos
e farras, com um certo ar boémio. Na carroça em que transportava a bigorna, o
engenho da roda de esmeril e as restantes ferramentas do ofício, e que
simultaneamente lhe servia de casa, também transportava uma guitarra. E todas
as tabernas eram apropriadas para exercitar os seus dons de fadista. Todos os
meses aparecia pelos largos e ruas da Vila, anunciando a sua presença com os
melodiosos gorjeios da gaita que simbolizava a profissão.
O romance foi arrebatado e teve um
desenlace que era previsível: Poucos meses depois já a rapariga tinha a barriga
a crescer. E outros tantos meses mais tarde, chegou a notícia de que o amolador
de facas tinha sido mortalmente anavalhado, numa briga de barraca, durante as
Festas dos Capuchos.
«O Romance»
Por JPGalhardas
Assim, aos oito meses de gravidez,
ficou a saber que o filho ia nascer órfão de pai.
Condoídos, os patrões, não a
devolveram à casa paterna e deixaram passar o tempo até ao nascimento da
criança.
Todos ganharam com essa decisão: a Rosalía Potra, assim se chamava a rapariga, porque assegurou uma casa farta
para o nascimento do filho; e os patrões, porque sabiam que não era fácil
arranjar outra criada com as condições de honestidade e trabalho que aquela
lhes garantia.
Pela parte dos patrões, nunca houve
grande preocupação com o desgosto da criada. Até lhes pareceu que tinha sido
uma sorte a Rosalía ver-se livre do amolador de facas, pois era sabido o feitio
quezilento e brigão do rapaz, sempre disposto a largar o trabalho para se meter
na fadistagem. E constantemente a vadiar por tudo quanto era feira e festa no
Alentejo.
Quanto a Rosalía, bastará dizer que
a partir dessa altura apenas teve como preocupação o bem estar do filho. Este,
nasceu no palacete dos patrões da mãe, uma estalagem que se situava, ali mesmo,
na Praça da República, e aí viveu até à morte desta, também ele como criado da
casa. Primeiro, como moço de mandados, e mais tarde como cozinheiro. Excelente
cozinheiro, para sermos precisos no que dizemos.
E foi já depois da morte prematura da mãe, uma santa e esforçada mulher, como todos reconheciam, e a quem uma estranha doença consumiu, que chegou a carta de chamada, enviada de Angola, por um tio, irmão da falecida.
Esse tio, que ele não conhecia
pessoalmente, pois tinha sido deportado para essa colónia, por motivos
políticos, muitos anos antes do seu nascimento, estava estabelecido em Luanda com
uma empresa que era, simultaneamente, armazém, padaria, mercearia, drogaria,
restaurante e pensão. «Casa Pero Rodrigues», assim se
chamava o estabelecimento.
«Viagem de Barco para Luanda»
Por JPGalhardas
Foi nessa cidade, Luanda, que já
fez a entrada do ano de 1945. Tinha chegado uns dias antes, depois duma longa
viagem de barco, com escalas nas ilhas de Cabo Verde e São Tomé.
Amadeus Saraband
(continua amanhã...)
Poet'anarquista
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