Chega hoje ao (fim?...) a história «Um Conto», por Amadeus Saraband. O personagem e figura central da obra, Rufino Potra, alentejano de nascimento e que um dia partiu para terras de África, mais precisamente para a cidade de Luanda, em Angola, regressa definitivamente à sua terra natal. Para trás fica um passado de venturas e desventuras, encontros e desencontros, e as raízes criadas no saudoso continente africano; traz consigo o seu grande amor, Ana Milongo, e mais tarde se irão juntar seus filhos gémeos João e Jacinto, as gémeas Rosalía e Evita, e os respectivos netos. A família, agora bem mais numerosa, estava finalmente reunida na pacata vila alentejana, berço natal de Rufino José Potra.
Poet'anarquista
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«UM CONTO», por Amadeus Saraband
4º e último capítulo
Região onde nasceu Rufino Potra
Por JPGalhardas
Passado que foi um ano, quando os
desgostos, as raivas e as desilusões se foram atenuando, quando se impôs a
necessidade da sobrevivência económica e a saúde mental estava por um fio, foi
a altura de ultrapassar tudo o que estava para trás e prosseguir. E esse
caminho foi encontrado por Rufino e Ana Milongo na região em que ele tinha
nascido.
E naquela rua da Vila, muito perto
do Jardim das Meninas, junto à casa em que Rufino tinha nascido, na vizinhança
do castelo medieval, numa região muito famosa pela sua cozinha, surgiu um
restaurante que fazia a diferença.
O Vizinho Castelo Medieval
Por JPGalhardas
Claro que as açordas e as migas, as
sopas de cação, os cozidos de grão, eram os pratos fortes da casa. Uma ou outra
caldeta, também brilhava na ementa. Contudo, volta e meia, aparecia um cliente,
por vezes vindo de longe – também retornado – que
pedia com grande à vontade:
– « Oh comadre Ana, que mal pergunte, o
compadre Rufino que diga quando é que comemos a muamba de galinha ! »
Era o Rufino na cozinha, e a Ana
Milongo às mesas, aviando a freguesia com a ligeireza que o reumático permitia.
Era o Alentejo a absorver mais um
caldinho de cultura culinária, com gente que vinha de fora, como, aliás, sempre
tinha acontecido ao longo dos séculos.
E foi assim que aquele casal de
velhos, começou a ultrapassar o problema da sobrevivência económica.
Mas faltava alguma coisa naquelas
vidas!
Era a questão dos afectos a
mordê-los por dentro.
Os Afectos
Por JPGalhardas
As notícias dos filhos eram muito
raras, e quando ainda escasseavam mais, instalava-se naquela casa um clima de
tal tristeza que muito dificilmente ultrapassavam.
Foi por volta de 1985 que os filhos
começaram a aparecer.
O primeiro foi o Jacinto. Quando
deixou o governo angolano, passou a integrar a embaixada de Angola na capital
espanhola e um dia apareceu no restaurante acompanhado da mulher e dos filhos.
Não cabem nesta narrativa as manifestações de alegria que se seguiram, porque
demorariam muito tempo a descrever, mas bem podem imaginar como foram,
sobretudo por parte da avó.
Depois foram as gémeas, Rosalía e
Eva. Apareceram juntas e, como era habitual, à bulha uma com a outra. Vinham
para ficar.
Rosalía e Evita Discutindo
JPGalhardas
Ambas traziam filhos, mas vinham
sem marido. Nem nunca se soube ao certo se alguma vez o tinham tido. Nunca lhes
foram pedidas explicações sobre esse assunto, nem elas as deram.
Segundo disseram, sobretudo a Eva,
a sua contribuição para a independência de Angola, tinha chegado ao fim. Agora, competia às novas gerações prosseguir o
caminho que tinha sido iniciado há mais de vinte anos atrás. E embora
continuassem fiéis aos princípios que as tinham norteado, não lhes agradava
falar muito sobre o assunto. Ainda, muito em jeito de desabafo, a Eva sempre
foi dizendo que não lhe agradava o rumo que o governo angolano estava a dar ao
país.
Vinham para trabalhar e ficar perto
dos pais. Elas, e os filhos.
Mas foi o Jacinto quem trouxe a
melhor notícia. E fora para dar essa novidade que tinha vindo ter com os pais
tão rapidamente, pois ainda nem sequer tinha tido tempo de se instalar em
Madrid.
O mano João estava vivo; estava em
Moçambique; casado e com filhos.
Apenas tomara conhecimento disso
poucos dias antes.
João e Jacinto jogando Xadrez
Por JPGalhardas
Depois da tentativa do chamado
levantamento “Nitista”, contra o governo de Angola, em meados de 1977, e em que
o mano João estivera profundamente envolvido, fugira para Cuba e, mais tarde,
entrara clandestinamente em Moçambique. Aí se mantivera numa
semi-clandestinidade, constituíra família, e ele, Jacinto, estava agora a
tratar do assunto a fim de o trazer para Portugal. Deixara a política e
trabalhava na cidade da Beira.
Eva
– Evita – como
era tratada em família, foi trabalhar para Évora, deixando os filhos, dois
magníficos rapazes, cor de chocolate, na companhia dos avós, com o fim de
prosseguirem os estudos secundários que ainda tinham iniciado em Angola.
Rosalía iria trabalhar com o irmão
Jacinto na embaixada de Angola, em Madrid. E deixaria as duas filhas com os
avós, também para estudarem no colégio local.
Foi então que de Moçambique chegou
o João.
Trazia com ele a mulher, uma mulata
alta e bonita. E as duas filhas, que eram a cara chapada da avó Ana.
Nessa altura Rufino Potra e Ana
Milongo, realizaram o seu maior sonho: Juntar à mesa todos os filhos e netos.
E aquela vila alentejana, nesse
verão de meados da década de oitenta, ficou marcada por gente que, vinda
doutras paragens, fez daquela terra o seu ponto de encontro.
Monte do Meio, perto da Vila Alentejana
Por JPGallhardas
A planície se encarregaria de os
integrar, tal como vem acontecendo há milénios, com todos os que aqui chegaram.
FIM
Amadeus Saraband
PS- Os meus agradecimentos ao escritor Amadeus Saraband pela partilha de «Um Conto».
Poet'anarquista
1 comentário:
Estive hoje a ler a história completa e devo dizer que aprecio esta forma de contar. Escrita simples, acessível ao mais comum dos leitores e bem fluída; ao contrário do que por vezes se tenta ler por aí, ou não se chega de todo a ler em virtude da sua complexidade. Aproveito também para elogiar o bom gosto nas ilustrações que acompanham a obra, e a forma como ela foi apresentada. Espero bem que haja mais matéria para publicar brevemente.
Agradecido
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