«As Raízes do Mundo»
Conto de G. K. Chesterton
669- «AS RAÍZES DO MUNDO»
Era uma vez um garoto que vivia em um jardim no qual se
permitia colher flores, porém era proibido arrancá-las pela raiz. Havia, no
entanto, uma planta em particular, insignificante, meio espinhenta, com uma
flor pequena semelhante a uma estrela, que ele desejava ardentemente arrancar
pela raiz. Seus tutores e guardiões, que viviam na casa com ele, eram pessoas
sérias e de valores, e davam razões pelas quais o garoto não deveria arrancar a
flor. Em geral eram razões tolas. Porém, nenhuma das razões contra o seu desejo
eram tão tolas quanto a que o garotinho tinha para querer executá-la, pois sua
razão era que a Verdade lhe exigia que arrancasse a planta para ver como
crescia. No entanto, a casa era de gente insensível e despreocupada, e ninguém
lhe deu a verdadeira resposta a seu argumento, que era o de que mataria a
planta, e que não há mais verdade em uma planta morta do que em uma planta
viva. Assim, em uma noite escura, quando as nuvens escondiam a lua, como um
segredo demasiadamente bom ou demasiadamente mal para ser revelado, o garotinho
desceu os velhos degraus de sua casa de campo e foi até o jardim vestido com
seu pijama. Já se disse e já se repetiu que não havia mais razões contra seu
desejo de arrancar a planta do jardim, do que contra o de golpear um cardo, por
distração, numa vereda. Entretanto, a escuridão que o envolvia o contradizia,
bem como seu próprio pulso agitado, porque dizia a si mesmo que na manhã
seguinte poderia ser crucificado como a um blasfemos que havia destroçado a
árvore sagrada.
Talvez o houvessem crucificado, caso tivesse conseguido
arrancar. Isso eu não posso afirmar com certeza. Porém não conseguiu, e não
porque não tivesse se empenhado. Todavia, quando chegou à planta, puxou e
puxou, e descobriu que se agarrava, como se estivesse cravada na terra com
ferros. E quando fez força pela terceira vez, sentiu por trás de seus ombros um
barulho aterrador e, fosse por impulso – o que ele negaria – ou pela
intranquilidade da consciência, saltou para trás tremulante e olhou ao seu
redor. A casa em que vivia era um simples vulto sombrio contra um céu
igualmente obscuro. No entanto, depois de olhar com mais cuidado ao seu redor,
viu que o contorno de sua casa havia deixado de ser familiar, pois a grande
chaminé da cozinha havia caído, torcida e calamitosa.
Desesperadamente deu
outro puxão na planta e viu como, ali mais distante, o estábulo caía e os
cavalos relinchavam e davam coices. Rapidamente ele correu para casa e se meteu
debaixo do lençol.
No dia seguinte a cozinha amanheceu em ruínas, os alimentos
estavam estragados, dois cavalos mortos e três haviam fugido. Porém o garoto
continuava com uma furiosa curiosidade e um pouco depois, quando a névoa do mar
cobriu a casa e o jardim, ele foi novamente até as raízes da planta
indestrutível. Agarrou-se a ela com todas as forças, mas a planta não cedeu.
Mas por trás da densa neblina cinza do mar, ouviram-se gritos desesperados de
pânico: gritava-se que o castelo do rei havia caído, que não se via as torres
que guardavam a costa, que a metade da cidade havia se partido e sumido no mar.
Então o garoto se assustou por um momento, e não disse nada mais sobre a
planta, porém, quando chegou a sua forte e despreocupada maturidade e a
destruição de sua cidade já havia sido reparada lentamente, disse: “Vamos por
fim ao enigma deste mal irracional. Em nome da Verdade, arranque-mo-la”. E
reuniu um enorme grupo de homens fortes, como um exército que fosse enfrentar
algum invasor. E todos eles se agarraram à planta e puxaram-na dia e noite. E a
Grande Muralha da China veio abaixo em um trecho de sessenta quilómetros. E as
Pirâmides fenderam- se e caíram e ficaram reduzidas a entulho. E a Torre
Eiffel, em Paris, veio abaixo como uma haste, matando metade dos parisienses. E
em Nova Iorque, a estátua da Liberdade tombou para frente e destruiu a frota
norte-americana. E a Catedral de São Paulo matou a todos os jornalistas de
Fleet Street. E no Japão se registrou tremores de terra nunca antes vistos, até
que o país inteiro desapareceu no mar.
Alguns dizem que esses dois últimos
incidentes não merecem propriamente o nome de calamidades, porém não entraremos
nessa matéria. A questão é que em um intervalo de vinte e quatro horas, os
homens fortes desse país haviam destroçado metade do mundo civilizado, porém
não haviam arrancado a planta. Não cansarei o leitor com todos os detalhes
dessa história realista… como usaram primeiramente elefantes e máquinas a
vapor, por exemplo, com o único resultado de que a planta permanecia agarrada,
ainda quando a lua começou a balançar e até o sou ficou um pouco inquieto. Por
fim, a raça humana interveio, como sempre faz, através de uma revolução. Porém
muito antes disso, o garoto, o homem, que é o herói dessa história, havia
abandonado essa empreitada, dizendo simplesmente aos seus pastores e mestres:
– Vocês me deram várias razões complicadas e inúteis do
porquê eu não deveria arrancar esse arbusto. Por que não me deram as
verdadeiras razões: primeiro, que não posso, e segundo, que destruiria tudo o
mais se chegasse a tentar?
Todos que têm tratado, em nome da ciência, de desarraigar a
religião me parecem muito semelhantes ao garoto do jardim. Os cépticos não
conseguem arrancar as raízes do cristianismo, porém, sim, conseguem arrancar as
raízes das parreiras e figueiras de todos os homens, do jardim de todos os
homens e dos cercados de todos os homens. Os laicista não têm conseguido
destruir as coisas divinas, porém, têm conseguido destruir as coisas humanas.
Não é possível demonstrar que, no fim das contas, uma
religião é monstruosa: uma religião é monstruosa desde o princípio. Anuncia-se
como algo extraordinário. É oferecida como algo extravagante. Os cépticos, além
disso, podem nos pedir que rechacemos nosso credo como algo estranho. E o temos
aceitado justamente assim, como algo estranho. Até aqui, alguém pode imaginar
que há um simples impasse, um bloqueio que se interpõe entre nós e aqueles que
não conseguem sentir como nós sentimos. Porém, então, vem a curiosa experiência
prática que tem ratificado a religião para sempre em nossa razão. Porque os
inimigos da religião não podem deixá-la continuar.
Laboriosamente, tentam
esmagá-la. Não conseguem destruí-la, porém destroem tudo o mais. Com suas
interrogações e dilemas não provocam nenhum transtorno na fé; desde o começo
ela é uma convicção transcendental; não se pode fazê-la mais transcendental do
que já é. Porém, se isto de alguma forma conforta, conseguiram provocar um
redemoinho na moral comum e no senso- comum.
Os opositores de nossa religião não nos obrigam a aceitar
seus axiomas; nossos axiomas continuam sendo o que sempre foram. Porém, eles
sim, aderem-se a toda doutrina de insensatez e desespero.
Não nos golpeiam, mas
passam distante e se afundam no pântano e no abismo. O senhor Blatchford não
pode nos forçar a aceitarmos a afirmação de que o homem não é a imagem de Deus,
porque essa afirmação é tão dogmática como sua negação. Porém, isso sim, ele se
obriga a aceitar a afirmação – humanamente ridícula e intolerável – de que não
devo acusar um valentão, nem louvar ao que o vence. Os evolucionistas não nos
podem, devido a inefável graduação da natureza, hipnotizar para negar a personalidade
de Deus, pois um Deus pessoal poderia fazer igualmente bem de forma gradual ou
de qualquer outra forma. Porém os evolucionistas, isso sim, ficam, através
dessas graduações, hipnotizados para negar a existência concreta do senhor
Perez, porque ele está dentro do alcance da evolução, e seus contornos estão
desaparecendo. Os evolucionistas destroçam o mundo, porém não as flores. Os
Titans jamais escalaram o céu, porém arrasaram a terra.
G. K. Chesterton
Sem comentários:
Enviar um comentário