«Conto Nº 01»
Conto de Eugène Ionesco
673- «CONTO Nº 01»
Josette já é uma menininha bem crescida, ela tem trinta e
três meses. Uma manhã, como de costume, ela avança com seus passinhos até a
porta do quarto dos seus pais. Ela tenta empurrar a porta, tenta abri-la, como
se fosse um cachorrinho. Ela perde a paciência, chama, e isso acorda os seus
pais, que fazem de conta que não estão ouvindo.
Nesse dia, seu papá e sua mamã estavam muito cansados. Na véspera, eles tinham
ido ao teatro, ao restaurante; depois do restaurante, ao teatro de marionetes.
Agora, eles estavam com muita preguiça. E isso não é bonito para os pais!...
A empregada também perde a paciência. Ela abre a porta do quarto e diz:
“Bom-dia, senhora, bom-dia, senhor, aqui está o seu jornal da manhã, aqui está
a correspondência que os senhores receberam, aqui está seu café com leite
adoçado, aqui está seu suco de frutas, aqui estão seus croiassants, aqui está
seu pão torrado, aqui está sua manteiga, aqui está seu doce de laranja, aqui
está sua geleia de morango, aqui está seu ovo estrelado, aqui está o presunto e
aqui está a sua filhinha.”
Os pais estavam enjoados, pois eu esqueci de dizer que, após o teatro de
marionetes, eles ainda tinham ido ao restaurante. Os pais não querem beber o
café com leite, eles não querem o pão torrado, eles não querem os croissants,
eles não querem o presunto, eles não querem o ovo estrelado, eles não querem o
doce de laranja, eles não querem seu suco de frutas, eles não querem também a
geleia de morango (não era mesmo de morango, era de laranja).
— Dê tudo isso a Josette, diz o papá à empregada, e quando ela tiver terminado,
traga-a de volta.
A empregada pega a criança nos braços. Josette berra. Mas como ela é gulosa,
ela se consola comendo na cozinha: o doce da mamã, a geleia do papá, os croissants
dos dois; ela bebe o suco de frutas.
— Oh! que apetite de ogro! diz a empregada. Você tem o olho maior que a
barriga!...
E para que a criança não fique doente, é a empregada que bebe o café com leite,
come o ovo estrelado, o presunto, e também o arroz-doce que havia sobrado da
noite anterior.
Durante esse tempo, o papá e a mamã adormecem de novo e roncam. Mas não por
longo tempo. A empregada leva de volta Josette ao quarto deles.
— Papá!... diz Josette, Jacqueline (esse é o nome da empregada), Jacqueline
comeu o seu presunto.
— Não faz mal, diz o pai.
— Papai, diz Josette, conte uma história para mim.
E enquanto a mamãe dorme, pois ela está muito cansada por se ter divertido
tanto, o papá conta uma história para Josette.
— Tinha uma vez uma menininha que se chamava Jacqueline.
— Como Jacqueline? pergunta Josette.
— Sim, diz o papá, mas não era Jacqueline. Jacqueline era uma criança.
Ela tinha uma mamã que se chamava senhora Jacqueline. O papá da pequena
Jacqueline se chamava senhor Jacqueline. A pequena Jacqueline tinha duas irmãs
que se chamavam Jacqueline, e dois priminhos que se chamavam Jacqueline e uma
tia e um tio que se chamavam Jacqueline.
O tio e a tia, que se chamavam Jacqueline, tinham dois amigos que se chamavam
senhor e senhora Jacqueline, e eles tinham uma filhinha que se chamava
Jacqueline, e um garotinho que se chamava Jacqueline, e a filhinha tinha umas
bonecas, três bonecas, que se chamavam: Jacqueline, Jacqueline, e Jacqueline. O
garotinho tinha um coleguinha que se chamava Jacqueline, e cavalos de madeira
que se chamavam Jacqueline, e soldadinhos de chumbo que se chamavam Jacqueline.
Um dia, a pequena Jacqueline, com seu papá Jacqueline, seu irmãozinho
Jacqueline, sua mamãe Jacqueline, vai ao bosque de Boulogne. Lá, eles encontram
seus amigos Jacqueline com a filhinha Jacqueline, com o filho Jacqueline, com
os soldadinhos de chumbo Jacqueline, com as bonecas Jacqueline, Jacqueline, e
Jacqueline.
Enquanto o papá conta essas histórias para a pequena Josette, entra a
empregada. Ela diz: “O senhor vai deixar essa menina louca!....”
Josette diz à empregada: “Jacqueline, nós vamos ao mercado?” (pois como eu
disse, a empregada se chamava também Jacqueline).
Josette vai fazer as compras com a empregada.
O papá e a mamã dormem de novo, pois eles estavam muito cansados, eles tinham
ido, na véspera, ao restaurante, ao teatro, ainda ao restaurante, ao teatro de
marionetes, depois ainda ao restaurante.
Josette entra numa loja com a empregada e lá ela encontra uma menininha que
estava com os pais. Josette pergunta à menininha:
— Você quer brincar comigo? Como você se chama?
— Eu me chamo Jacqueline, responde a menininha.
— Eu sei, diz Josette, seu papá se chama Jacqueline, seu irmãozinho se chama
Jacqueline, sua boneca se chama Jacqueline, seu vovô se chama Jacqueline, seu
cavalo de madeira se chama Jacqueline, sua casa se chama Jacqueline, seu
potinho se chama Jacqueline....
Então, o dono da loja, a esposa do dono da loja, a mamã da outra menininha,
todos os clientes que estavam na loja voltaram-se para Josette e fitaram-na com
os olhos cheios de espanto. “Não é nada, diz tranquilamente a empregada, não se
preocupem, são as histórias idiotas que o seu pai lhe conta.”
Eugène Ionesco
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