«Ascensão e Queda dos Porcos-Voadores», por José Cardoso Pires.
«Ascensão e Queda dos Porcos-Voadores»
Conto de José Cardoso Pires
658- «ASCENSÃO E QUEDA DOS PORCOS-VOADORES»
[Excerto]
«E um dia, para seu assombramento, viu-os passar outra vez.
A eles, aos porcos-alados. Em bando. Cruzando os céus à mesma hora e na mesma
direcção das outras vezes. O Juiz regulou o binóculo até ao olho-limite, até à
verdade impossível. E confirmou. Certo, os porcos do sol poente.
Com a alegria do investigador que acaba de comprovar a sua descoberta, correu à
procura do Cirurgião Sequera. (…) o magistrado conduziu o médico à varanda do
salão de música e ali, a sós, comunicou-lhe o acontecimento apenas no
essencial, o resto ficaria para depois.
Este, na sua qualidade profissional, teve a natural hesitação do prático
científico perante o fenómeno inesperado: não só pôs respeitosas reticências no
tocante aos estranhos vultos alados como admitiu que a refracção das nuvens
sangrentas do ocaso fosse a causa de tão intrigantes imagens.
Consequentemente,
punha à meritíssima consideração do Juiz a probabilidade, naturalíssima aliás,
de ter sido vítima de qualquer miragem frente à solidão do oceano e à luz
agonizante da tarde.
Visivelmente compreensivo, o Doutor Juiz manifestou todo o apreço pela
prudência científica do Doutor Cirurgião em relação ao fenómeno. Reconhecia
que, embora transmitido sob palavra do magistrado, o assunto tinha que se lhe
dissesse. Óbvio. Em matéria de conclusões a dúvida era essencial. Indiscutível.
Até aí não podia deixar de concordar. Não obstante, com Juiz de longa carreira
ao serviço da Verdade, propunha que o Cirurgião se interrogasse sobre as
estranhas criaturas do pôr-do-sol porque de certo não perdia nada com isso; que
as não pusesse de parte como um simples divertissement (sic) queria ele dizer;
nem como uma alucinação, longe disso; que, por simples método de análise,
aquilo que designara há pouco por «estranhos vultos alados» fosse classificado
provisoriamente como AVNIS, «animais volantes não identificados», enquanto não
dispusessem de novos dados de identificação. De acordo? O Juiz esperava que
sim, o fenómeno tinha mais que matéria para poder interessar um espírito
científico. Adiantou ainda que não era por acaso que os cintilantes porcos de
asas negras resultavam dum cruzamento de duas criaturas tão nojosas (palavra
dele) como o porco e o morcego. As associações malditas, disse, sempre
exerceram uma fascinação irreprimível no homem civilizado e em particular
naquele que se interroga sobre
A Ordem e A Configuração da Natureza.»
José Cardoso Pires
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