«A Maior Flor do Mundo»
Conto de Saramago
931- «A MAIOR FLOR DO MUNDO»
As histórias para crianças devem ser escritas com
palavras muito simples… Quem me dera saber escrever essas
histórias…
Se eu tivesse aquelas qualidades, poderia contar,
com pormenores, uma linda história que um
dia inventei… Seria a mais linda de todas as que
se escreveram desde o tempo dos contos de fadas e princesas encantadas…
Havia uma aldeia… e um menino.…
… Sai o menino pelos fundos do quintal, e, de
árvore em árvore, como um pintassilgo, desce o rio e depois por
ele abaixo…
Em certa altura, chegou ao limite das terras até onde se
aventurara sozinho. Dali para diante começava o “planeta Marte”. Dali para
diante, para o nosso menino, será só uma pergunta: «Vou ou não vou?» E foi.
O rio fazia um desvio grande, afastava-se, e de rio ele
estava já um pouco farto, tanto que o via desde que nascera. Resolveu cortar a
direito pelos campos, entre extensos olivais, ladeando misteriosas sebes
cobertas de campainhas brancas, e outras vezes metendo pelos bosques de altas
árvores onde havia clareiras macias sem rasto de gente ou bicho, e ao redor um
silêncio que zumbia, e também um calor vegetal, um cheiro de caule fresco.
Ó que feliz ia o menino! Andou, andou, foram rareando as
árvores, e agora havia uma charneca rasa, de mato ralo e seco, e no meio dela
uma inclinada colina redonda como uma tigela voltada.
Deu-se o menino ao trabalho de subir a encosta, e quando
chegou lá acima, que viu ele? Nem a sorte nem a morte, nem as tábuas do
destino… Era só uma flor.
Mas tão caída, tão murcha, que o menino se achegou, de
cansado. E como este menino era especial de história, achou que tinha de salvar
a flor. Mas que é da água? Ali, no alto, nem pinga. Cá por baixo, só no rio, e
esse que longe estava!…
Não importa.
Desce o menino a montanha, atravessa o mundo todo, chega ao
grande rio, com as mãos recolhe quanta de água lá cabia, volta o mundo
atravessar, pelo monte se arrasta, três gotas que lá chegaram, bebeu-as a flor
com sede. Vinte vezes cá e lá…
Mas a flor aprumada já dava cheiro no ar, e como se fosse
uma grande árvore deitava sombra no chão. O menino adormeceu debaixo da flor.
Passaram as horas, e os pais, como é costume nestes casos,
começaram a afligir-se muito. Saiu toda a família e mais vizinhos à busca do
menino perdido. E não o acharam. Correram tudo, já em lágrimas tantas, e era
quase sol-pôr quando levantaram os olhos e viram ao longe uma flor enorme que
ninguém se lembrava que estivesse ali.
Foram todos de carreira, subiram a colina e deram com o
menino adormecido. Sobre ele, resguardando-o do fresco da tarde, estava uma
grande pétala perfumada… Este menino foi levado para casa, rodeado de todo o
respeito, como obra de milagre.
Quando depois passava pelas ruas, as pessoas diziam que ele
saíra da aldeia para ir fazer uma coisa que era muito maior do que o seu
tamanho e do que todos os tamanhos.
FIM
Este era o conto que eu queria contar. Tenho muita pena de
não saber escrever histórias para crianças. Mas ao menos ficaram sabendo como a
história seria, e poderão contá-la doutra maneira, com palavras mais simples do
que as minhas, e talvez mais tarde venham a saber escrever histórias para
crianças…
Quem sabe se um dia virei a ler outra vez esta história,
escrita por ti que me lês, mas muito mais bonita?…
José Saramago
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