«Quem faz um filho...», por Orson W. Calabrese
Conto Primeiro
Rosto de Jovem Rapariga, por Silva Porto
14- «Quem faz um filho...»
Ao ouvir cantar o chocalho do chibo velho, Gaditana começou
a pôr a mesa, isto é, dispôs a gamela e as colheres de madeira, a corna das
azeitonas e a pequena bilha da água sobre meio tronco de uma árvore, toscamente
cortado, e suportado por quatro pés embutidos. O pequeno alpendre que servia de
local para as refeições, era também a entrada para a única dependência da casa.
Ainda debaixo do alpendre fervia, numa pequena panela de barro, sobre um
braseiro faiscante, um cozido de cabrito com beldroegas, recentemente colhidas
nas margens da ribeira que corria junto ao cabeço em que a casa se situava.
Esta, de formato redondo, tinha paredes de lajes de xisto sobrepostas,
argamassadas com cal e barro e tecto de junco disposto em várias camadas,
suportado por um grosso tronco de
madeira, grosseiramente aparado.
Guardando o Rebanho (pormenor), por Silva Porto
Táutalo, companheiro de Gaditana, e assim chamado em
homenagem a um antigo chefe lusitano, regressava a casa, ao anoitecer, com o
pequeno rebanho de caprinos que constituía todos os seus bens, fazendo-se
anunciar pelo badalar do chocalho do chibo. Ao lado da casa ficavam os currais
do gado e a choça em que guardavam as alfaias agrícolas, pouco mais que algumas
foices, um machado e uma gadanha. Este pequeno conjunto de construções, muito
precárias, como se vê, situava-se num outeiro em frente de um antigo povoado,
abandonado nas margens da ribeira, e que mais tarde, bastante mais tarde, viria
a ser conhecido como “Castelo Velho”.
«Castelo Velho» (Povoado Milenar)
Calcolítico/Bronze Final/Idade do Ferro/Época Islâmica
Após a ceia, mal o sol tinha desaparecido no horizonte, o
jovem casal deitou-se, depois de estender algumas peles de cabra sobre um monte
de folhas secas, e tapou-se com uma pesada manta de curtidas peles a fim de
iludir o frio que se fazia sentir, soprado pelo vento, vindo dos lados da serra
d’Ossa.
Poderia este pequeno conto ficar por aqui. Mas não fica. Se
ficasse, que justificação teria o título desta narrativa? É necessário, pois,
acrescentar alguma coisa mais!
Tratando-se de dois jovens, mal saídos da puberdade, em
plena pujança da vida, que pelos critérios actuais nem dezoito anos teriam, a
natureza forçosamente lhes pediria mais. Adoradores de Endovélico, cujo
santuário se situava nas proximidades, acreditavam na fertilidade da vida e
tudo faziam para que essa fertilidade se concretizasse. Mal se deitaram,
sentiram-se tomados por todos os desejos próprios da sua condição.
Masturbação, por JPGalhardas
Ela, deitada de costas, com as pernas afastadas e o homem no
meio delas. Olhos nos olhos. Sem palavras, mas com gestos muito carinhosos.
Beijaram-se, se por acaso beijos, tal como os entendemos hoje, aconteciam nessa
época. A mulher dobra as pernas e arqueia os flancos para a penetração ser mais
profunda e o gozo mais completo. O acto inteiro apenas demorou alguns momentos.
Momentos de plena satisfação! Foi bom para ela e foi bom para ele. E também foi
bom para a Humanidade! Contribuíu, para além de tudo o resto, para a
continuidade da espécie.
Várias luas depois foram agradecer a Endovélico o nascimento
do seu primeiro filho. Um belo rapagão. Parido naquela mesma cama de folhas
secas, sobre as macias peles de cabra.
Deo Endovélico Sacrum, por JPGalhardas
O agradecimento ao deus Endovélico concretizou-se no
sacrifício de um cabrito e na oferta de uma lápide. Talvez uma daquelas lápides
que Leite de Vasconcelos levou para Lisboa cerca de dois mil anos depois!
FIM
Orson W. Calabrese
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