121 «O AVIÃO DA BELA ADORMECIDA»
Era ela, elástica, com uma pele suave da cor do pão e olhos
de amêndoas verdes, e tinha o cabelo liso e negro e longo até as costas, e uma
aura de antiguidade que tanto podia ser da Indonésia como dos Andes. Estava
vestida com um gosto subtil: jaqueta de lince, blusa de seda natural com flores
muito ténues, calças de linho cru, e uns sapatos rasos da cor das buganvílias.
"Esta é a mulher mais bela que vi na vida", pensei, quando a vi
passar com seus sigilosos passos de leoa, enquanto eu fazia fila para abordar o
avião para Nova York no aeroporto Charles de Gaulle de Paris. Foi uma aparição
sobrenatural que existiu um só instante e desapareceu na multidão do saguão.
Eram nove da manhã. Estava nevando desde a noite anterior, e o trânsito era
mais denso que de costume nas ruas da cidade, e mais lento ainda na estrada, e
havia caminhões de carga alinhados nas margens, e automóveis fumegantes na
neve. No saguão do aeroporto, porém, a vida continuava em primavera.
Eu estava na fila atrás de uma anciã holandesa que demorou quase uma hora
discutindo o peso de suas onze malas. Começava a me aborrecer quando vi a
aparição instantânea que me deixou sem respiração, e por isso não soube como
terminou a polémica, até que a funcionária me baixou das nuvens chamando minha atenção
pela distracção. À guisa de desculpa, perguntei se ela acreditava nos amores à
primeira vista. "Claro que sim", respondeu. "Os impossíveis são
os outros" Continuou com os olhos fixos na tela do computador, e me
perguntou que assento eu preferia: fumante ou não-fumante.
— Dá na mesma — disse categórico — desde que não seja ao lado das onze malas.
Ela agradeceu com um sorriso comercial sem afastar a vista da tela
fosforescente.
— Escolha um número — me disse. — Três, quatro ou sete.
— Quatro.
Seu sorriso teve um fulgor triunfal.
— Nos quinze anos em que estou aqui — disse —, é o primeiro que não escolhe o
sete.
Marcou no cartão de embarque o número do assento e me entregou com o resto de
meus papéis, olhando-me pela primeira vez com uns olhos cor de uva que me
serviram de consolo enquanto via a bela de novo. Só então me avisou que o
aeroporto acabava de ser fechado e todos os voos estavam adiados.
— Até quando?
— Só Deus sabe — disse com seu sorriso. O rádio avisou esta manhã que será a
maior nevada do ano.
Enganou-se: foi a maior do século. Mas na sala de espera da primeira classe a
primavera era tão real que havia rosas vivas nos vasos e até a música enlatada
parecia tão sublime e sedante como queriam seus criadores. De repente pensei
que aquele era um refúgio adequado para a bela, e procurei-a nos outros salões,
estremecido pela minha própria audácia. Mas na maioria eram homens da vida real
que liam jornais em inglês enquanto suas mulheres pensavam em outros,
contemplando os aviões mortos na neve através das janelas panorâmicas,
contemplando as fábricas glaciais, as vastas plantações de Roissy devastadas
pelos leões. Depois do meio-dia não havia um espaço disponível, e o calor
tinha-se tornado tão insuportável que escapei para respirar.
Lá fora encontrei um espectáculo assustador. Gente de todo tipo havia
transbordado as salas de espera e estava acampada nos corredores sufocantes, e
até nas escadas, estendida pelo chão com seus animais e suas crianças, e seus
trastes de viagem. Pois também a comunicação com a cidade estava interrompida,
e o palácio de plástico transparente parecia uma imensa cápsula espacial
encalhada na tormenta. Não pude evitar a ideia de que também a bela deveria
estar em algum lugar no meio daquelas hordas mansas, e essa fantasia me deu
novos ânimos para esperar.
Na hora do almoço havíamos assumido nossa consciência de náufragos. As filas
tornaram-se intermináveis diante dos sete restaurantes, as cafeterias, os bares
abarrotados, e em menos de três horas tiveram de fechar tudo porque não havia
nada para comer ou beber. As crianças, que por um momento pareciam ser todas as
do mundo, puseram-se a chorar ao mesmo tempo, e começou a se erguer da multidão
um cheiro de rebanho. Era o tempo dos instintos. A única coisa que consegui comer
no meio daquela rapina foram os dois últimos copinhos de sorvete de creme numa
lanchonete infantil. Tomei-os pouco a pouco no balcão, enquanto os garçons
punham as cadeiras sobre as mesas na medida em que elas se desocupavam,
olhando-me no espelho do fundo, com o último copinho de papelão e a última
colherzinha de papelão, e com o pensamento na bela.
O voo para Nova York, previsto para as onze da manhã, saiu às oito da noite.
Quando finalmente consegui embarcar, os passageiros da primeira classe já estavam
em seus lugares, e uma aeromoça me conduziu ao meu. Perdi a respiração. Na
poltrona vizinha, junto da janela, a bela estava tomando posse de seu espaço
com o domínio dos viajantes experientes. "Se alguma vez eu escrever isto,
ninguém vai acreditar", pensei. E tentei de leve em minha meia língua um
cumprimento indeciso que ela não percebeu.
Instalou-se como se fosse morar ali muitos anos, pondo cada coisa em seu lugar
e em sua ordem, até que o local ficou tão bem-arrumado como a casa ideal, onde
tudo estava ao alcance da mão. Enquanto fazia isso, o comissário trouxe-nos o
champanha de boas-vindas. Peguei uma taça para oferecer a ela, mas me arrependi
a tempo. Pois quis apenas um copo d'água, e pediu ao comissário, primeiro num
francês inacessível e depois num inglês um pouco mais fácil, que não a
despertasse por nenhum motivo durante o voo. Sua voz grave e morna arrastava
uma tristeza oriental.
Quando levaram a água, ela abriu sobre os joelhos uma caixinha de toucador com
esquinas de cobre, como os baús das avós, e tirou duas pastilhas douradas de um
estojinho onde levava outras de cores diversas. Fazia tudo de um modo metódico
e parcimonioso, como se não houvesse nada que não estivesse previsto para ela
desde seu nascimento. Por último baixou a cortina da janela, estendeu a
poltrona ao máximo, cobriu-se com a manta até a cintura sem tirar os sapatos,
pôs a máscara de dormir, deitou-se de lado na poltrona, de costas para mim, e
dormiu sem uma única pausa, sem um suspiro, sem uma mudança mínima de posição, durante
as oito horas eternas e os doze minutos de sobra que o voo de Nova York durou.
Foi uma viagem intensa. Sempre acreditei que não há nada mais belo na natureza
que uma mulher bela, de maneira que foi impossível para mim escapar um só
instante do feitiço daquela criatura de fábula que dormia ao meu lado. O
comissário havia desaparecido assim que decolamos, e foi substituído por uma
aeromoça cartesiana que tentou despertar a bela para dar-lhe o estojo de
maquiagem e os auriculares para a música. Repeti a advertência que a bela havia
feito ao comissário, mas a aeromoça insistiu para ouvir de sua própria voz que
tampouco queria jantar. Foi preciso que o comissário confirmasse, e ainda assim
a aeromoça me repreendeu porque a bela não havia colocado no pescoço o
cartãozinho com a ordem de não ser despertada.
Fiz um jantar solitário, dizendo-me em silêncio tudo que teria dito a ela, se
estivesse acordada. Seu sono era tão estável que em certo momento tive a
inquietude que aquelas pastilhas não fossem para dormir e sim para morrer.
Antes de cada gole, levantava a taça e brindava.
— À tua saúde, bela.
Terminado o jantar, apagaram as luzes, mostraram um filme para ninguém, e nós
dois ficamos sozinhos na penumbra do mundo. A maior tormenta do século havia
passado, e a noite do Atlântico era imensa e límpida, e o avião parecia imóvel
entre as estrelas. Então contemplei-a palmo a palmo durante várias horas, e o
único sinal de vida que pude perceber foram as sombras dos sonhos que passavam
por sua fronte como as nuvens na água. Tinha no pescoço uma corrente tão fina
que era quase invisível sobre sua pele de ouro, as orelhas perfeitas sem os
furinhos para brincos, as unhas rosadas da boa saúde e um anel liso na mão
esquerda. Como não parecia ter mais de vinte anos, me consolei com a ideia de
que não fosse a aliança de um casamento e sim de um namoro efémero. "Saber
que você dorme, certa, segura, leito fiel de abandono, linha pura, tão perto de
meus braços atados", pensei, repetindo na crista de espuma de champanha o
so neto magistral de Gerardo Diego.
Em seguida estendi a poltrona na altura da sua, e ficamos deitados mais
próximos que numa cama de casal. O clima de sua respiração era o mesmo da voz,
e sua pele exalava um hálito ténue que só podia ser o próprio cheiro de sua
beleza. Eu achava incrível: na primavera anterior havia lido um bonito romance
de Yasumari Kawabata sobre os anciões burgueses de Kyoto que pagavam somas
enormes para passar a noite contemplando as moças mais bonitas da cidade, nuas
e narcotizadas, enquanto eles agonizavam de amor na mesma cama. Não podiam
despertá-las, nem tocá-las, e nem tentavam, porque a essência do prazer era
vê-las dormir. Naquela noite, velando o sono da bela, não apenas entendi aquele
refinamento senil, como o vivi na plenitude.
— Quem iria acreditar — me disse, com o amor-próprio exacerbado pelo champanha.
— Eu, ancião japonês a estas alturas.
Acho que dormi várias horas, vencido pelo champanha e os clarões mudos do
filme, e despertei com a cabeça aos cacos. Fui ao banheiro. Dois lugares atrás
do meu, jazia a anciã das onze maletas esparramada mal-acomodada na poltrona.
Parecia um morto esquecido no campo de batalha. No chão, no meio do corredor,
estavam seus óculos de leitura com o colar de contas coloridas, e por um instante
desfrutei da felicidade mesquinha de não os recolher.
Depois de desafogar-me dos excessos de champanha me surpreendi no espelho,
indigno e feio, e me assombrei por serem tão terríveis os estragos do amor. De
repente o avião foi a pique, ajeitou-se como pôde, e prosseguiu voando a
galope. A ordem de voltar ao assento acendeu. Saí em disparada, com a ilusão de
que somente as turbulências de Deus despertariam a bela, e que teria de se
refugiar em meus braços fugindo do terror. Na pressa estive a ponto de pisar
nos óculos da holandesa, e teria me alegrado. Mas voltei sobre meus passos, os
recolhi, os coloquei em seu regaço, agradecido de repente por ela não ter
escolhido antes de mim o assento número quatro.
O sono da bela era invencível. Quando o avião se estabilizou, tive que resistir
à tentação de sacudi-la com um pretexto qualquer, porque a única coisa que
desejava naquela última hora de voo era vê-la acordada, mesmo que estivesse
enfurecida, para que eu pudesse recobrar minha liberdade e talvez minha juventude.
Mas não fui capaz. "Que merda", disse a mim mesmo, com um grande
desprezo. "Por que não nasci Touro?" Despertou sem ajuda no instante
em que os anúncios de aterrissagem se acenderam, e estava tão bela e louçã como
se tivesse dormido num roseiral. Só então percebi que os vizinhos de assento
nos aviões, como os casais velhos, não se dizem bom-dia ao despertar. Ela
também não.
Tirou a máscara, abriu os olhos radiantes, endireitou a poltrona, pôs a manta
de lado, sacudiu as melenas que se penteavam sozinhas com seu próprio peso,
tornou a pôr a caixinha nos joelhos, e fez uma maquiagem rápida e supérflua, o
suficiente para não olhar para mim até que a porta foi aberta. Então pôs a
jaqueta de lince, passou quase que por cima de mim com uma desculpa convencional
em puro castelhano das Américas, e foi sem nem ao menos se despedir, sem ao
menos me agradecer o muito que fiz por nossa noite feliz, e desapareceu até o
sol de hoje na Amazónia de Nova York.
Gabriel García Márquez
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