«O Silêncio é uma Força»
Silêncio/ Henry Fuseli
918- «O SILÊNCIO É UMA FORÇA»
“Já se disse que o silêncio era uma força; num sentido
completamente diferente, ele é uma força, e terrível, à disposição daqueles que
são amados. Uma força que aumenta a ansiedade de quem espera. Nada convida
tanto alguém a aproximar-se de um ser como o que dele o separa, e que barreira
existe mais intransponível que o silêncio? Já se disse também que o silêncio
era um suplício, e capaz de enlouquecer aquele que nas prisões a ele estava
obrigado. Mas que suplício - maior que o de guardar silêncio - é o de
sofrer o silêncio de quem se ama! Robert dizia de si para si: «Que estará ela a
fazer para estar assim calada? Estará por certo a enganar-me com outros...»
Dizia ainda: «Que fiz para ela estar assim calada? Provavelmente odeia-me, e
para sempre.» E acusava-se a si mesmo. Assim, com efeito, o silêncio o punha
louco de ciúme e de remorso. De resto, mais cruel que o das prisões, tal
silêncio é ele mesmo uma prisão. Uma clausura imaterial, sem dúvida, mas
impenetrável, aquela fatia interposta de atmosfera vazia, mas que os raios
visuais do abandonado não podem atravessar. Haverá luz mais terrível que o
silêncio, que não nos mostra uma ausente, mas mil, e cada uma delas
entregando-se a alguma outra traição? Às vezes, numa brusca distensão, Robert
acreditava que esse silêncio iria cessar daí a pouco, que a esperada carta iria
chegar. Via-a a chegar, espiava cada ruído, a sua sede estava já saciada,
murmurava: «A carta! A carta!» Depois de ter assim entrevisto um oásis
imaginário de ternura tornava a dar consigo patinhando no deserto real do
silêncio sem fim.
Sofria adiantadamente todas as dores, sem esquecer nenhuma,
de um rompimento que em outras ocasiões julgava poder evitar, como aquelas
pessoas que liquidam todos os seus assuntos na mira de uma expatriação que não
irá efectuar-se, e cujo pensamento, que já não sabe onde deverá situar-se no
dia seguinte se agita momentaneamente, despegado delas, semelhante a um coração
que se arranca a um doente e que continua a bater, separado do resto do corpo.
Em todo o caso, esta esperança de que a amante regressaria dava-lhe coragem
para perseverar no rompimento, tal como a crença de poder regressar vivo do
combate ajuda a enfrentar a morte. E como o hábito é, de todas as plantas
humanas, aquela que menos necessidade tem para viver de um solo rico de
alimento, e a primeira a aparecer no aparentemente mais desolado dos rochedos,
talvez começando por praticar o rompimento a fingir acabasse por se lhe
acostumar sinceramente. Mas a incerteza alimentava nele um estado que, ligado à
recordação daquela mulher, se assemelhava ao amor. Forçava-se contudo a não lhe
escrever (pensando acaso que o tormento era menos cruel de viver sem a amante
que com ela em certas condições, ou que, depois da maneira como se haviam
separado, esperar as suas desculpas era necessário para que ela conservasse o
que acreditava que ela sentia por ele, senão de amor, pelo menos de estima e
respeito). “
Marcel Proust
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