«Balada da Praia dos Cães»
José Cardoso Pires
911- «BALADA DA PRAIA DOS CÃES»
[Excerto]
“(…) Às vezes pasmo, Melanie, com a exactidão com que estes
momentos me vêm à memória. Estou a ver o elevador, é como se tivesse sido
ontem. O portão de grades trabalhadas em cobre, o guarda-vento de vidros foscos
com umas flores lavradas que pareciam jarros do oriente. E os espelhos aos
lados? E o banquinho de veludo na parede do fundo, tão virginal, tão romântico?
Oh, era uma cestinha de arcanjos, aquele elevador, todo em ouros e brancos
esmaltados. Mas o inesquecível era a máscara do diabo que havia no tecto a olhar
cá para baixo! Assustava e enternecia. Tinha uns corninhos de fauno, saídos do
conjunto da figura que era em relevo dourado e com uma mascarilha vermelha.
Tantas minúcias, eu bem digo…Não te parece estranho?
E todavia todo se passou fora do tempo e do espaço! Tudo, ma
chèrie, Tudo! Ainda mal tínhamos fechado a porta já o Gaston-Philippe se
colava a mim a percorrer-me desvairadamente com as mãos. Contornava-me,
cingia-me com um braço e procurava-me as coxas e as nádegas por baixo da roupa.
Eu própria levantei o vestido, colando-me mais a ele, e imagina a surpresa que
o tomou quando sentiu nos dedos a verdade do meu ventre!
Sim, minha Melanie, eu estava nua por baixo do vestido! Não
me perguntes porquê, mas no bar, por um impulso inexplicável, tinha ido ao
toilette com esse propósito. Um presságio? Só sei que estava feliz com o meu
instinto, felicíssima. O assombro e o deslumbramento do Gaston-Philippe por
aquela surpresa não tiveram limites e eu sentia isso através da sua mão que era
grata e ardente. E que hábil, que mão! Que imaginativa e que extensa, Melanie!
Penetrava com tais segredos que me levava para lá da ascensão do próprio
elevador e logo me esgotava e me fazia afundar à medida que voltávamos a
descer.
Impossível calcular as vezes que percorremos para baixo e
para cima aqueles cinco andares. Uma verdadeira escalada do paraíso! Subíamos e
mergulhávamos, e tornava-mos a subir…a nossa viagem parecia não ter fim, pois o
Gaston-Philippe era daqueles amantes afortunados nos quais l’amour fou é
servido por um talento prático ajustado às circunstâncias e, assim, manobrava o
manípulo do elevador no momento exacto em que ele se ia a deter.
Mas entontecedor ainda foi que dei por ele de joelhos,
abraçado às minhas pernas e abrindo-me toda ao mesmo tempo, nem sei, com o
rosto mergulhado nas minhas coxas! Então senti-me trespassada por algo muito
vivo e voraz, por uma espessura revolvente e arguta que me descobria por dentro
e me dilatava, sugando-me. E eram mais coisas, minha querida, os dentes
percorrendo os pelos e os músculos , o calor do rosto contra o meu ventre, as
mãos explorando-me as nádegas, tanta coisa!
Eu, de pé, uma perna em cima do ombro dele, via-me ao espelho
e não me reconhecia. Esquecida, esquecida, liberta pelo espaço (…)”
José Cardoso Pires
José Cardoso Pires
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