domingo, 21 de dezembro de 2014

OUTROS CONTOS

«Babilónia Revisitada», por F. Scott Fitzgerald.

«Babilónia Revisitada»
Caricatura de F. Scott Fitzgerald

365- «BABILÓNIA REVISITADA»

[Fragmento]

“E onde está o senhor Campbell?”, perguntou Charlie

“Foi para Suí­ça. Ele está muito doente, senhor Wales.”

“Que pena. E George Hardt?”, continuou Charlie.

“Voltou para a América, para trabalhar.”

“E que fim levou o Pássaro da Neve?”

“Esteve aqui na semana passada. O amigo dele, senhor Schaeffer, está em Paris.”

Apenas dois nomes familiares numa longa lista de um ano e meio antes. Charlie rabiscou um endereço em seu bloco e rasgou a página.

“Se encontrar o senhor Schaeffer, dê-lhe isto”, disse. “É o endereço de meu cunhado. Ainda não me instalei num hotel.”

Na verdade, não estava desapontado por encontrar Paris tão vazia. Mas o marasmo no bar do Ritz era estranho e imponente. Já não era um bar americano ” sentia-se elegante ali, e não como se fosse o dono. Era um bar que voltara a pertencer à França. Pressentiu o marasmo assim que desceu do táxi e viu o porteiro, antes em frenética atividade í quele hora, fofocando com o chasseur na porta dos empregados.

Ao passar pelo corredor, ouviu apenas uma voz entediada, vinda da toalete feminina, em outros tempos tão ruidosa. Quando se encaminhou para o bar, atravessou os seis metros de carpete verde com os olhos fixos à frente, por força de hábito; depois, com o pé plantado no batente da porta, virou-se e contemplou a sala, encontrando apenas um par de olhos que surgiu por cima de um jornal, num canto. Charlie perguntou pelo barman Paul, que, nos últimos dias de alta na Bolsa, vinha para o trabalho em seu carro fabricado sob medida ” só que, educadamente, desembarcando na esquina mais próxima. Mas Paul estava hoje em sua casa de campo, e era Alix quem lhe passava as informações.

“Agora chega”, disse Charlie. “Ando devagar, esses dias.”

Alix felicitou-o. “O senhor estava exagerando na dose há uns dois anos.”

“E pretendo continuar devagar”, Charlie assegurou-lhe. “Já estou assim há um ano e meio.”

“Como estão as coisas nos Estados Unidos?”

“Há meses que não vou à América. Estou com negócios em Praga, fazendo umas representações. Eles não me conhecem por lᔝ.

Alix sorriu.

“Lembra-se da noite de despedida de solteiro de George Hardt?”, disse Charlie. “Por falar nisso, que fim levou Claude Fessenden?”

Alix baixou o tom de voz para uma confidência: “Está em Paris, mas não vem mais aqui. Paul não permite. Deixou uma conta de trinta mil francos, pendurou todos os drinques e almoços, e quase sempre o jantar, durante mais de um ano. Quando Paul finalmente lhe disse que ele tinha de pagar, Fessenden deu-lhe um cheque sem fundos”.

Alix sacudiu a cabeça com tristeza.

“Não entendo isso, um sujeito tão bacana. Agora está todo inchado…” Suas mãos estão redondas como uma maçã.

Charlie observou um grupo de mulheres estridentes instalando-se num canto.

Nada as afeta, pensou. As ações sobrem e descem, as pessoas vadiam ou trabalham, mas elas continuam firmes. O lugar o oprimia. Pegou os dados e apostou um drinque com Alix.

“Chegou há muito tempo, senhor Wales?”

“Há uns quatro ou cinco dias, para ver minha garotinha.”

“Ahhh…. O senhor tem uma filha?”

Lá fora, os neons vermelho-fogo, azul-gás e verde-fantasma piscavam esfumaçados através da chuva tranquila. Era um fim de tarde e as ruas estavam vivas; os bistrís refulgiam. Na esquina do Boulevard dês Capucines, tomou um táxi. A Place de la Concorde se movia em rósea majestade; cruzaram o Sena, e Charlie sentiu a súbita atmosfera provinciana da Rive Gauche.

Charlie mandou o táxi seguir pela Avenue de L”Opéra, que estava fora de seu caminho. Mas queria ver a hora azul se espalhar pela magní­fica fachada e imaginar que as buzinas dos táxis, tocando interminavelmente os primeiros compassos de “La plus que lente”, eram os trompetes do Segundo Império. O portão de ferro da livraria Brentano estava sendo fechado, e as pessoas já começavam a jantar atrás da bem aparada cerca-viva do Duval. Ele nunca jantara num restaurante barato em Paris ” jantar com cinco pratos, a quatro francos e cinquenta, mais dezoito centavos se houvesse vinho incluí­do. Por alguma razão, gostaria de ter experimentado.

Ao rodar pela Rive Gauche e sentindo seu súbito provincianismo, pensou: Estraguei esta cidade para mim. Eu não percebia, mas os dias foram correndo, um atrás do outro, dois anos se passaram e tudo se acabou, inclusive eu.

F. Scott Fitzgerald

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