«Os Fragmentos»
Escritor Português Ferreira de Castro
546- «OS FRAGMENTOS»
[Excertos]
“- (…) A Humanidade está vivendo um intervalo entre o velho
mundo que apodreceu e o novo mundo que nós desejamos e há de vir. É um
intervalo terrível, com grandes sofrimentos para muitos. (p. 194)
“A sede de justiça
deve ser clamada inúmeras vezes, clamada até que a justiça venha e apague a
sede, pois um só grito na noite pode despertar quem dorme, criando breves
momentos de expectativa e de incerteza, mas, se outros gritos não lhe
sucederem, acaba-se por voltar ao sono.” (p. 25)
“A minha alma, não obstante os sofrimentos, andou sempre
iluminada por intensa fé nos destinos humanos. Daí me veio apodo. O meu nome é
Alexandre Novais, mas chamavam-me «O Século Vinte», porque eu, durante a
juventude, afirmava nos sindicatos, nos comícios, nos Cafés, afirmava por toda
a parte, que o século XX seria o século da redenção, terminando as lutas, as
desigualdades e os ódios que nos separam e passando a Humanidade a viver
fraternalmente. Depois disso, é certo, fui forçado a percorrer várias nações em
busca de pão ou de refúgio; e em quase todas me maltrataram, me prenderam, me
expulsaram, considerando-me «indesejável». Vi lutas horrendas entre os homens,
torrentes de ódio que davam ao século por mim considerado redentor semblante
trágico de época primitiva; mas em toda a parte encontrei também a profunda
aspiração por um mundo mais justo e mais fraternal.
(…) Continuo a crer, pertinazmente, que o
século XX está forjando a redenção e a paz da Humanidade.” (pp. 88-89)
“- Vocês não me
querem compreender. Paciência! Mas eu vos repito que a mentalidade geral começa
a transformar-se e que estamos perto de uma nova era, graças sobretudo ao
proletariado e a alguns intelectuais. De alguma coisa valeram os nossos
combates e os nossos sacrifícios. Só no futuro se poderá avaliar quanto
representaram no progresso da Humanidade as lutas sociais do século passado e
do nosso. É claro que eles pensam apenas em reformas e nós queremos muito mais.
Não queremos uma sociedade só remendada; queremos uma sociedade nova e por isso
temos de continuar a lutar.” (p. 210)
“Que vivemos perseguindo uma aspiração sempre tão fascinante
e sempre, até hoje, tão fugitiva, tida pelos egocentristas como absurda
quimera, enquanto para outros cintila como realidade próxima, generosa e
redentora. E que é, para todos, como uma ciclópica fábrica de inquietação, pois
no desencontro imenso da Humanidade, com as classes renhindo entre elas, umas
pelas suas velhas regalias, outros por uma igualdade a raiar no futuro, as doutrinas
em conflito vão trespassando de sangue a Terra, húmus formidável de toda uma
época e do mundo de amor que há de vir, que há de vir, que há de vir um dia, um
dia talvez ainda longínquo, mas um dia! Por esta crença amparado, por esta
crença que resiste a todos os desenganos, a todas as incompreensões, a todos os
suplícios e a todas as dores, passa um longo cortejo de sombras humanas. As que
amei, as que vi tombar ao meu lado, as que se perderam em anónimas derrotas, em
sonhos jamais consumados e que na memória das gentes só persistirão como uma
ideia de conjunto, pó de um século, cinzas de um instante da Eternidade. São
centenas de figuras topadas ao longo da minha áspera jornada, síntese de
milhões de milhões de outras, para as quais a vida é apenas servitude e
miséria, tendo por única redenção a morte e por único lenitivo, no espírito de
alguns, esta forte esperança de que, um dia, o Mundo será mais justo e até os
homens serão melhores.” (p. 325)
Ferreira de Castro
Sem comentários:
Enviar um comentário