sexta-feira, 10 de julho de 2015

OUTROS CONTOS

Introdução...

Ontem, um colega de escola do nosso distrito, confidenciou-me a propósito da classificação de serviço entregue tarde e más horas, que lhe tinha sido atribuída a nota de 3.75 numa escala de 1 a 5.

Descontente, por ter consciência do bom trabalho desenvolvido em colaboração com colegas, professores e alunos, e ser um funcionário assíduo e cumpridor, indagou o director do porquê de tão baixa classificação. Foi-lhe respondido que havia outros colegas que mereciam e que não podia dar sempre aos mesmos a melhor nota.

Lembrei-me então do texto do Miguel Esteves Cardoso, e para esse colega de escola amigo aqui ficam as explicações sobre a prepotência, mau-carácter e tiques de ditador de um director de escola que não foi talhado para o ofício.

Carlos Camões Galhardas

«O Engraxanço e o Culambismo Português», por Miguel Esteves Cardoso.

«O Engraxanço e o Culambismo 
Português»
Graxas, Lambe-Botas ou Lambe-Cus
Rafael Bordalo Pinheiro

557- «O ENGRAXANÇO E O CULAMBISMO PORTUGUÊS»

Noto com desagrado que se tem desenvolvido muito em Portugal uma modalidade desportiva que julgara ter caído em desuso depois da revolução de Abril. Situa-se na área da ginástica corporal e envolve complexos exercícios contorcionistas em que cada jogador procura, por todos os meios ao seu alcance, correr e prostrar-se de forma a lamber o cu de um jogador mais poderoso do que ele. 

Este cu pode ser o cu de um superior hierárquico, de um ministro, de um agente da polícia ou de um artista. O objectivo do jogo é identificá-los, lambê-los e recolher os respectivos prémios. Os prémios podem ser em dinheiro, em promoção profissional ou em permuta. À medida que vai lambendo os cus, vai ascendendo ou descendendo na hierarquia. 

Antes do 25 de Abril esta modalidade era mais rudimentar. Era praticada por amadores, muitos em idade escolar, e conhecida prosaicamente como «engraxanço». Os chefes de repartição engraxavam os chefes de serviço, os alunos engraxavam os professores,os jornalistas engraxavam os ministros, as donas de casa engraxavam os médicos da caixa, etc... Mesmo assim, eram raros os portugueses com feitio para passar graxa. Havia poucos engraxadores. Diga-se porém, em abono da verdade, que os poucos que havia engraxavam imenso. 

Nesse tempo, «engraxar» era uma actividade socialmente menosprezada. O menino que engraxasse a professora tinha de enfrentar depois o escárnio da turma. O colunista que tecesse um grande elogio ao Presidente do Conselho era ostracizado pelos colegas. Ninguém gostava de um engraxador. 

Hoje tudo isso mudou. O engraxanço evoluiu ao ponto de tornar-se irreconhecível. Foi-se subindo na escala de subserviência, dos sapatos até ao cu. O engraxador foi promovido a lambe-botas e o lambe-botas a lambe-cu. Não é preciso realçar a diferença, em termos de subordinação hierárquica e flexibilidade de movimentos, entre engraxar uns sapatos e lamber um cu. Para fazer face à crescente popularidade do desporto, importaram-se dos Estados Unidos, campeão do mundo na modalidade, as regras e os estatutos da American Federation of Ass-licking and Brown-nosing. Os praticantes portugueses puderam assim esquecer os tempos amadores do engraxanço e aperfeiçoarem-se no desenvolvimento profissional do Culambismo. 

(...) Tudo isto teria graça se os culambistas portugueses fossem tão mal tratados e sucedidos como os engraxadores de outrora. O pior é que a nossa sociedade não só aceita o culambismo como forma prática de subir na vida, como começa a exigi-lo como habilitação profissional. O culambismo compensa. Sobreviver sem um mínimo de conhecimentos de culambismo é hoje tão difícil como vencer na vida sem saber falar inglês. 

Miguel Esteves Cardoso

2 comentários:

Anónimo disse...

Muito bem amigo Carlos Camões Galhardas e Miguel Esteves Cardoso! A introdução e o texto complementam-se à perfeição; a baixeza tomou conta do poder nos vários sectores da nossa sociedade utilizando truques para favorecer quem na gíria chamamos "bufo, graxa, lambebota ou lambecu". Há favores que é preciso pagar, e para que tal seja possível, prejudica-se a competência e honestidade. Esta escumalha depressa se reproduziu após o 25 de Abril, minando o bom funcionamento das instituições e prejudicando os trabalhadores. Hoje é prática corrente este tipo de situações, e quase sempre ficam impunes os prevaricadores.

Tenha uma boa noite, e não desista.

Anónimo disse...

Está tudo podre e contaminado neste país.