«O Exame»
Kafka/ Culpeo-Fox
550- «O EXAME»
Sou um criado, mas não há trabalho para mim. Sou medroso e
não me ponho em evidência; nem sequer me coloco em fila com os outros, mas isto
é apenas uma das causas de minha falta de ocupação; também é possível que minha
falta de ocupação nada tenha a ver com isso; o mais importante é, em todo caso,
que não sou chamado a prestar serviço; outros foram chamados e não fizeram mais
gestões que eu; e talvez nem mesmo tenham tido alguma vez o desejo de serem
chamados, enquanto que eu o senti, às vezes, muito intensamente.
Assim permaneço, pois, no catre, no quarto de criados, o
olhar fixo nas vigas do teto, durmo, desperto e, em seguida, torno a adormecer.
Às vezes cruzo até a taverna onde servem cerveja azeda; algumas vezes por
desfastio emborquei um copo, mas depois volto a beber. Gosto de sentar-me ali
por que, atrás da pequena janela fechada e sem que ninguém me descubra, posso
olhar as janelas de nossa casa. Não se vê grande coisa; sobre a rua, dão,
segundo creio, apenas as janelas dos corredores, e além do mais, não daqueles
que conduzem aos aposentos dos senhores; é possível também que eu me engane;
alguém o sustentou certa vez, sem que eu lho perguntasse, e a impressão geral
da fachada o confirma. Apenas de vez em quando são abertas as janelas, e quando
isso acontece, o faz um criado, o qual, então, se inclina também sobre o
parapeito para olhar para baixo um instantinho. São, pois, corredores onde não
se pode ser surpreendido. Além do mais não conheço esses criados; os que são
ocupados permanentemente na parte de cima, dormem em outro lugar; não em meu
quarto.
Uma vez, ao chegar à hospedaria, um hóspede ocupava já o meu
posto de observação; não me atrevi a olhar directamente para onde estava e quis
voltar-me na porta para sair em seguida. Mas o hóspede me chamou e, assim,
então, percebi que era também um criado ao qual eu tinha visto alguma vez e em
alguma parte, embora sem ter falado nunca com ele até aquele dia.
– Por que queres fugir? Senta-te aqui e bebe. Eu pago.
Sentei-me, pois. Perguntou-me algo, mas não pude responder-lhe;
não compreendia sequer as perguntas. Pelo menos eu disse:
– Talvez agora te aborreça o fato de ter-me convidado.
Vou-me, pois.
E quis erguer-me. Mas ele estendeu a mão por cima da mesa e
me manteve em meu lugar.
– Fica-te!, disse. Isto era somente um exame. Aquele que não
respondesse às perguntas
está aprovado no exame.
Franz Kafka
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