«Causas da Decadência dos Povos Peninsulares»
O Triunfo da Morte/ Hieronymus Bosch
611- «CAUSAS DA DECADÊNCIA DOS POVOS PENINSULARES»
Tais temos sido nos últimos três séculos: sem vida, sem
liberdade, sem riqueza, sem ciência, sem invenção, sem costumes. Erguemo-nos
hoje a custo, espanhóis e portugueses, desse túmulo onde os nossos grandes
erros nos tiveram sepultados: erguemo-nos, mas os restos da mortalha ainda nos
embaraçam os passos, e pela palidez dos nossos rostos pode bem ver o mundo de
que regiões lúgubres e mortais chegamos ressuscitados! Quais as causas dessa
decadência, tão visível, tão universal, e geralmente tão pouco explicada?
Examinemos os fenómenos que se deram na Península durante o decurso do século
XVI, período de transição entre a Idade Média e os tempos modernos, e em que
aparecem os germes, bons e maus, que mais tarde, desenvolvendo-se nas
sociedades modernas, deram a cada qual o seu verdadeiro carácter. Se esses
fenómenos forem novos, universais, se abrangerem todas as esferas da actividade
nacional, desde a religião até à indústria, ligando-se assim intimamente ao que
há de mais vital nos povos — estarei autorizado a empregar o argumento (neste
caso, rigorosamente lógico) ‘post hoc’, ‘ergo propter hoc’, e a concluir que é
nesses novos fenómenos que se devem buscar e encontrar as causas da decadência
da Península.
Ora esses fenómenos capitais são três, e de três espécies: um moral, outro político, outro económico. O primeiro é a transformação do Catolicismo, pelo Concílio de Trento. O segundo, o estabelecimento do Absolutismo, pela ruína das liberdades locais. O terceiro, o desenvolvimento das Conquistas longínquas. Estes fenómenos assim agrupados, compreendendo os três grandes aspectos da vida social, o pensamento, a política e o trabalho, indicam-nos claramente que uma profunda e universal revolução se operou, durante o século XVI, nas sociedades peninsulares. Essa revolução foi funesta, funestíssima.
Antero de Quental
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