quinta-feira, 24 de setembro de 2015

OUTROS CONTOS

«Ensaio sobre a Lucidez», por José Saramago.

Lembram-se?... numas eleições regionais grande percentagem de votos em branco (83%) fez abanar o poder político, e os partidos. Disse a propósito José Saramago:

«Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso.»

«Ensaio sobre a Lucidez»
José Saramago, Nobel da Literatura

624- «ENSAIO SOBRE A LUCIDEZ»

[Excerto]

O presidente da câmara municipal arrumou sumariamente os documentos espalhados sobre a mesa de trabalho, na sua maioria eram já como se tivessem que ver com outro país e outro século, não com esta capital em estado de sítio, abandonada pelo seu próprio governo, cercada pelo seu próprio exército.

Se os rasgasse, se os queimasse, se os atirasse para o cesto dos papeis, ninguém lhe viria pedir contas pelo que tinha feito, as pessoas agora têm coisas muito mais importantes em que pensar, a cidade, reparando bem, já não faz parte do mundo conhecido, tornou-se numa panela cheia de comida podre e de vermes, numa ilha empurrada para um mar que não é o seu, um lugar onde rebentou um perigoso foco de infecção e que, à cautela, foi posto em regime de quarentena, à espera de que a peste perca a virulência ou, por não ter mais a quem matar, acabe por se devorar a si mesma.

José Saramago

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