Lembram-se?... numas eleições regionais grande percentagem de votos em branco (83%) fez abanar o poder político, e os partidos. Disse a propósito José Saramago:
«Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero
que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma
longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das
experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante
aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso
que tenhamos coragem para reconhecer isso.»
«Ensaio sobre a Lucidez»
José Saramago, Nobel da Literatura
624- «ENSAIO SOBRE A LUCIDEZ»
[Excerto]
O presidente da câmara municipal arrumou sumariamente os
documentos espalhados sobre a mesa de trabalho, na sua maioria eram já como se
tivessem que ver com outro país e outro século, não com esta capital em estado
de sítio, abandonada pelo seu próprio governo, cercada pelo seu próprio
exército.
Se os rasgasse, se os queimasse, se os atirasse para o cesto
dos papeis, ninguém lhe viria pedir contas pelo que tinha feito, as pessoas
agora têm coisas muito mais importantes em que pensar, a cidade, reparando bem,
já não faz parte do mundo conhecido, tornou-se numa panela cheia de comida
podre e de vermes, numa ilha empurrada para um mar que não é o seu, um lugar
onde rebentou um perigoso foco de infecção e que, à cautela, foi posto em
regime de quarentena, à espera de que a peste perca a virulência ou, por não
ter mais a quem matar, acabe por se devorar a si mesma.
José Saramago
José Saramago
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