O poeta e historiador brasileiro Alberto da Costa e Silva, foi agraciado com o «Prémio Camões/ 2014.
Poet'anarquista
Alberto da Costa e Silva
Poeta e Historiador Brasileiro
«O Curupira e o Caçador», por Alberto da Costa e Silva.
«O Curupira e o Caçador»
Conto de Alberto da Costa e Silva
164- «O CURUPIRA E O CAÇADOR»
(Um conto baseado no mais famoso mito
brasileiro, o protector da mata)
Um caçador perdeu-se no mato e lá ficou. Chegando debaixo de uma grande árvore,
dormiu.
Ouviu gritar. O curupira bateu nas sapopemas das árvores e gritou; tornou a
gritar cada vez mais perto. Depois ouviu gritar ainda mais perto, já junto a
si. Chegou o curupira junto dele, assentou-se e começou a conversar.
- Como estás, meu neto?
- Sempre bem, também.
- Ah! Meu avô! Eu perdi-me de casa,
- É possível, meu neto? Tua casa não é longe. Quando vieste de casa?
- Ontem, meu avô.
Continuaram a conversar.
- Ah! Meu neto! Eu estou com fome.
- Eu também tenho fome. Nada comi ainda hoje.
- Meu neto, eu quero comer.
- Eu também.
- Meu neto, tu me dás a tua mão para eu comer!
- Aqui está, meu avô.
Cortou a mão de um macaco, que tinha trazido da caça da tarde daquele dia, e
lha deu. Pegou nela e comeu.
- Meu neto, a tua mão é gostosa, eu quero comer a outra.
- Aqui está, meu avô.
Pegou e comeu logo.
- Ah! Meu neto! É bem gostosa a tua mão. Tu me dás também o teu pé para eu
comer?
- Aqui está, meu avô.
Cortou o pé do macaco e lho deu.
- Aí está, meu avô.
Logo o curupira pegou nele e comeu.
- Ah! Meu neto! É gostoso o teu pé!
- É possível isso, meu avô?
Depois pediu-lhe também o coração.
- Ah! Meu neto! Eu quero também o teu coração.
- Deveras, meu avô? Aqui está.
Tirou logo o coração do macaco e lhe deu.
O curupira pegou e comeu logo o coração do macaco. Depois ele pediu o coração
do avô.
- Agora eu também quero o teu coração.
Antes que o curupira lhe pedisse outra cousa, pediu-lhe o coração.
- É possível, meu neto? Então dá-me a tua faca.
- Aqui está a minha faca.
Tomou imediatamente a faca, feriu-se, caiu e morreu. Aí ficou e ele foi-se
embora.
- É bem feito que morresse.
Foi-se logo embora. Passando um ano, lembrou-se.
- Vou agora ver o curupira que morreu, para lhe tirar os dentes verdes para
remédio; já deve estar podre, vou lhe tirar os ossos para bico de frechas.
Foi-se logo embora. Chegando aí achou os ossos já brancos, e foi tirá-los com o
machado que levou.
- Agora, com o machado, eu tiro os dentes.
Bateu logo com o machado nos dentes. Ele ressuscitou e assentou-se. O homem
assustou-se bem.
- Ah! Meu neto! Estou com sede, quero água.
- Deveras?
Urinou logo no chapéu.
- Aqui está água para você, meu avô.
- Acordei agora bom, mas não sei em que ponto estávamos quando dormi. O que
era, meu neto?
- Não sei.
- Agora vamos, meu neto. O que queres tu, meu neto?
- Não sei.
- Eu te dou uma frecha para tu matares caça.
- Dizes bem, meu avô.
- Então vamos.
- Vamos.
Foram para o mato e aí ele deu a frecha.
- Agora já tens uma frecha para caçar; queres ir-te embora?
- Quero ir.
- Sabes, por ventura, onde é a tua casa?
- Não.
- Então eu vou contigo para tua casa.
- Bem, meu avô, então vamos.
Chegaram perto de casa.
- Agora, meu neto, eu vou-me embora e te deixo. Quando tu quiseres, já sabes
onde eu estou. Quando quiseres vai ter comigo. Sabes? Adeus! Desta frecha só tu
sabes o jeito, não a leves para casa, não contes à ninguém, nem à tua mulher.
Só tu sabes caçar com ela. Essa frecha é uma cobra surucucu; para matar a caça
não precisa arco, basta jogá-la. Eu conto para tu saberes que ela te deixará.
Bem, adeus!
- Adeus, meu avô! Agora quando eu for passear irei ter contigo.
- Bem, meu neto, eu estou sempre aí.
Depois ficou um caçador feliz; matava muito, enquanto que os outros não.
Ninguém sabia como ele caçava. Diziam:
- Como é isso? Ele mata pássaro, mata caça; como nós então não matamos?
- Não sei.
- Nós vamos para o mato, caçamos e não matamos; ele vai e depressa chega,
quando menos se espera.
Outros diziam:
- O que será então? Vamos vigiar como ele mata a caça.
- Vamos mandar dois meninos vigiar.
- Vamos.
Foram logo vigiar. Quando ele foi para o mato foram atrás. Foram escondidos
vigiar, viram tirar a sua frecha do galho da árvore e logo foram vigiar como
ele matava com a frecha.
- Já vimos onde estava a frecha, com certeza, já vimos.
Vigiaram-no. Achou logo um pássaro voando. Viram depois atirar atrás a frecha e
ir ver o pássaro que estava morto no chão com a frecha ao pé.
- É assim! Já sabemos agora como ele mata caça.
Voltaram:
- Amanhã viremos para experimentar a sua frecha e ver como ele mata caça.
De manhã foram lá. Acharam a frecha; tiraram-na; experimentaram logo num
pássaro que estava voando; atiraram; a frecha voou e voltou frechando um deles,
que chegou a cair, morrendo logo o menino. O outro voltou e contou:
"Morreu meu companheiro."
- De que morreu?
- Mordido pela cobra.
- Vamos ver.
Foram-no buscar e trouxeram o cadáver.
O dono da frecha foi buscá-la para ir à caça, mas chegando não a achou mais.
- Por onde perdeu-se minha frecha? Voltou talvez a ter com o seu dono. Agora
sim, não tenho mais minha frecha! Que se perca! Talvez ele a achasse; por isso
já ela voltou. Talvez a frecha voltasse e fosse ter com o curupira.
Não tardou em saber que acharam a sua frecha; que a experimentaram; que o
menino foi mordido pela cobra, que morreu e que por isso ela foi ter com o
curupira.
- Foi bem feito! Quem mandou bulir nela? Pensavam que era uma frecha à toa,
quando era uma cobra. Assim fizeram perder-se a minha frecha, que não volta
mais para mim.
Por isso o menino foi-se embora para outra terra, e fugiu com os outros
parentes, que, por terem medo, se mudaram desse lugar.
Alberto da Costa e Silva
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