«O Gato de Botas»
Conto Infantil de Charles Perrault
149- «O GATO DE BOTAS»
Era uma vez um moleiro muito pobre, que tinha três filhos.
Os dois mais velhos eram preguiçosos e o caçula era muito trabalhador.
Quando o moleiro morreu, só deixou como herança o moinho, um
burrinho e um gato. O moinho ficou para o filho mais velho, o burrinho para o
filho do meio e o gato para o caçula. Este último ficou muito descontente com a
parte que lhe coube da herança, mas o gato lhe disse:
- Meu querido amo, compra-me um par de botas e um saco e, em
breve, te provarei que sou de mais utilidade que um moinho ou um asno.
Assim, pois, o rapaz converteu todo o dinheiro que possuía
num lindo par de botas e num saco para o seu gatinho. Este calçou as botas e,
pondo o saco às costas, encaminhou-se para um sítio onde havia uma coelheira.
Quando ali chegou, abriu o saco, meteu-lhe uma porção de farelo miúdo e
deitou-se no chão fingindo-se morto.
Excitado pelo cheiro do farelo, o coelho saiu de seu
esconderijo e dirigiu-se para o saco. O gato apanhou-o logo e levou-o ao rei,
dizendo-lhe:
- Senhor, o nobre marquês de Carabás mandou que lhe
entregasse este coelho. Guisado com cebolinhas será um prato delicioso.
- Coelho?! – exclamou o rei.
- Que bom! Gosto muito de coelho, mas o meu cozinheiro não
consegue nunca apanhar nenhum. Diga ao teu amo que eu lhe mando os meus mais
sinceros agradecimentos.
No dia seguinte, o gatinho apanhou duas perdizes e levou-as
ao rei como presente do marquês de Carabás.
Durante um tempo, o gato continuou a levar ao palácio outros
presente, todos dizia ser da parte do Marquês de Carabás.
Um dia o gato convidou seu amo para tomar um banho no rio.
Ao chegarem ao local o gato disse ao jovem
- De hoje em diante seu nome será Marquês de Carabás. Agora,
por favor, tire sua roupa e entre na água.
O rapaz não estava entendendo nada, mas como confiava no
gato atendeu seu pedido.
O gato havia levado rapaz no local por onde devia passar a
carruagem real.
Esperto, o gato ao ver uma carruagem se aproximando começou
a gritar
- Socorro! Socorro!
- Que aconteceu? – perguntou o rei, descendo da sua
carruagem.
Os ladrões roubaram a roupa do nobre marquês de Carabás! –
disse o gato
- Meu amo está dentro da água, ficará resfriado.
O rei mandou imediatamente uns servos ao palácio; voltaram
daí a pouco com um magnífico vestuário feito para o próprio rei, quando jovem.
O dono do gato vestiu-se e ficou tão bonito que a princesa,
assim que o viu, dele se enamorou. O rei também ficou encantado e murmurou:
- Eu era exatamente assim, nos meus tempos de moço.
O rei convidou o falso marquês para subir em sua carruagem.
- Será que a vossa majestade nos dá a honra de visitar o
palácio do Marquês de Carabás? – perguntou o gato, diante do olhar aflito do
rapaz.
O rei aceitou o convite e o gato saiu na frente, para
arrumar uma recepção par ao rei e a princesa.
O gato estava radiante com o êxito do seu plano; e, correndo
à frente da carruagem, chegou a uns campos e disse aos lavradores:
- O rei está chegando; se não lhes disserem que todos estes
campos pertencem ao marquês de Carabás, o rei mandará cortar-lhes a cabeça.
De forma que, quando o rei perguntou de quem eram aquelas
searas, os lavradores responderam-lhe:
- Do muito nobre marquês de Carabás.
- Que lindas propriedades tens tu!- elogiou o rei ao jovem.
O moço sorriu perturbado, e o rei murmurou ao ouvido da
filha:
- Eu também era assim, nos meus tempos de moço.
Mais adiante, o gato encontrou uns camponeses ceifando trigo
e lhes fez a mesma ameaça:
- Se não disserem que todo este trigo pertence ao marquês de
Carabás, faço picadinho de vocês.
Assim, quando chegou a carruagem real e o rei perguntou de
quem era todo aquele trigo, responderam:
- Do mui nobre marquês de Carabás.
O rei ficou muito entusiasmado e disse ao moço:
- Ó marquês! Tens muitas propriedades!
O gato continuava a correr à frente da carruagem;
atravessando um espesso bosque, chegou à porta de um magnífico palácio, no qual
vivia um ogro muito malvado que era o verdadeiro dono dos campos semeados. O
gatinho bateu à porta e disse ao ogro que a abriu:
Meu querido ogro, tenho ouvido por aí umas histórias a teu
respeito. Dizei-me lá: é certo que te podes transformar no que quiseres?
- Certíssimo – respondeu o ogro, e transformou-se num leão.
- Isso não vale nada – disse o gatinho. – Qualquer um pode
inchar e aparecer maior do que realmente é. Toda a arte está em se tornar
menor. Poderias, por exemplo, transformar-te em rato?
- É fácil – respondeu o ogro, e transformou-se num rato.
O gatinho deitou-lhe logo as unhas, comeu-o e desceu logo a
abrir a porta, pois naquele momento chegava a carruagem real. E disse:
- Bem vindo seja, senhor, ao palácio do marquês de Carabás.
- Olá! – disse o rei.
- Que formoso palácio tens tu! Peço-te a fineza de ajudar a
princesa a descer da carruagem.
O rapaz, timidamente, ofereceu o braço à princesa e o rei
murmurou-lhe ao ouvido:
- Eu também era assim tímido, nos meus tempos de moço.
Entretanto, o gatinho meteu-se na cozinha e mandou preparar
um esplêndido almoço, pondo na mesa os melhores vinhos que havia na adega; e
quando o rei, a princesa e o amo entraram na sala de jantar e se sentaram à
mesa, tudo estava pronto.
Depois do magnífico almoço, o rei voltou-se para o rapaz e
disse-lhe:
- Jovem, és tão tímido como eu era nos meus tempos de moço.
Mas percebo que gostas muito da princesa, assim como ela gosta de ti. Por que
não a pedes em casamento?
Então, o moço pediu a mão da princesa, e o casamento foi
celebrado com a maior pompa. O gato assistiu, calçando um novo par de botas com
cordões encarnados e bordados a ouro e preciosos diamantes.
E daí em diante, passaram a viver muito felizes. E se o gato
às vezes ainda se metia a correr atrás dos ratos, era apenas por divertimento;
porque absolutamente não mais precisava de ratos para matar a fome…
Charles Perrault
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