segunda-feira, 3 de março de 2014

OUTROS CONTOS

«Máscaras», por Menotti del Picchia.

«Máscaras»
Amor de Carnaval, por Bruno Marcello (Bua)

97- «MÁSCARAS»

Arlequim saiu de casa na manhã colorida do sábado, a sua roupa refulgindo com todas as cores do carnaval. Saiu sozinho, porque assim se divertia mais; dirigiu-se apressado às ladeiras repletas de frevo. Tinha pressa, pois sabia que os quatro dias de folia passam rápido, e não queria perder nada. Gostava das máscaras, que enchiam os olhos de beleza e de alegria.
No caminho esbarrou em um palhaço apagado, mais adequado a um velório que ao carnaval. Não deu importância e seguiu o seu caminho, sorrindo diante das fantasias coloridas, olhando com indisfarçado desejo para as garotas que enchiam de graça as ruas de paralelepípedos, disparando gracejos a cada passo que dava. Uma delas, mais que as outras, chamou-lhe a atenção: era jovem, era loira, e olhava para tudo com o olhar deslumbrado de quem se depara pela primeira vez com um mundo de beleza até então desconhecida.
Arlequim olhou-lhe e sorriu-lhe, e ela percebeu o seu interesse. Ele aproximou-se, puxou-a e a beijou, como já tinha feito tantas vezes antes; ela não lhe resistiu. Sem dizer-lhe uma palavra ele foi embora, deixando a jovem atônita: ela não conseguia entender como era possível ser tão sem graça a ponto de não merecer nem mesmo um olhar mais demorado. Arlequim não chegou a perceber a lágrima que escorria do rosto belo de Colombina enquanto ele seguia as bandas de frevo ladeira acima.

* * *
Pierrot saiu de casa na manhã triste chuvosa do domingo, sua roupa preta e branca como se fosse um pálido reflexo do dia cinzento. Saiu sozinho, porque sempre fora diferente dos outros, e não gostava da companhia dos demais personagens carnavalescos. Dirigiu-se devagar e pesaroso às ladeiras abarrotadas de ilusões. Não tinha pressa, pois sabia que não encontraria nada nos quatro dias de festa. Não gostava das máscaras, que eram ilusórias e escondiam aquilo que as coisas realmente eram.
No caminho viu um palhaço colorido que ensaiava alguns passos de frevo e atraía a atenção dos foliões que passavam; mas não viu graça. Seguiu andando, olhando com indisfarçado desinteresse para um lado e para o outro, sem responder aos sorrisos que, de vez em quando, eram-lhe endereçados. Encontrou, no entanto, uma garota que lhe chamou a atenção: era jovem, era loira, e olhava para tudo com o olhar decepcionado de quem percebe, pela primeira vez, a efemeridade da beleza do mundo.
Pierrot olhou-a e se espantou ao ver que a moça lhe olhava de volta. Sustentou o olhar apenas por alguns segundos, tempo suficiente para que o rubor se lhe assomasse às faces pálidas. Sem dizer-lhe uma palavra ele foi embora, deixando a jovem atônita: ela não conseguia entender como era possível ser tão sem graça a ponto de não merecer nem mesmo um gracejo de carnaval. Pierrot, descendo a ladeira sem olhar para trás, não chegou a ver a lágrima que escorria pelo rosto jovem de Colombina.

* * *
Colombina saiu de casa, e era uma segunda-feira bonita. Saiu sozinha sem saber o porquê; aproveitava os dias da festa de Momo, sem pressa e sem tédio. Seu humor oscilava entre o deslumbramento e a decepção: o carnaval era-lhe uma experiência nova e estranha. Estava ainda se acostumando com as máscaras.
Passou por algumas esquinas com o pensamento distante; uma chuva de confete e serpentina impediu-lhe de ver o palhaço colorido, e um bloco de frevo que passava escondeu-lhe o palhaço preto e branco. Alguns jovens lhe lançavam sorrisos, e para alguns ela sorria de volta: nenhum deles, no entanto, prendia-lhe muito a atenção. Era jovem, era loira, e olhava para tudo com o olhar indeciso de quem não sabe se ama o prazer pelo ímpeto com o qual ele vem ou se o odeia pela rapidez com a qual ele vai embora.
Colombina irritou-se consigo mesma, com sua própria inconstância, com sua própria indecisão. E, hoje, não havia ninguém que pudesse ter visto a lágrima que escorria pelo seu rosto loiro.

* * *
Arlequim, Pierrot e Colombina encontraram-se na terça-feira gorda. Olharam-se demoradamente.
O sorriso de Arlequim enaltecia o prazer carnavalesco. As lágrimas de Pierrot lamentavam as ilusões de Momo. O olhar de Colombina, oscilando entre um e outro, era indeciso: ela não queria os exageros de Arlequim, nem conseguia a indiferença de Pierrot.
Neste instante, o frevo silenciou. Findara-se o carnaval. O rosto de Arlequim era somente desespero: se não havia máscaras, não havia mais nada para ele. O rosto de Pierrot era sereno: ele não se iludira com as máscaras, chorara a sua quota de lágrimas e, agora, ficava feliz em ver as coisas face a face. Colombina nem se desesperava nem se alegrava: deixara-se enganar pelas máscaras, embora não tanto quanto Arlequim, e ainda teria lágrimas a derramar para limpar os olhos, mas conseguiria enxergar o mundo que se esconde por debaixo das fantasias.
Pierrot seguiu em frente. Colombina, embora cambaleante, seguia-lhe à distância. Arlequim ficou no chão, na espera vã de outros carnavais que lhe devolvessem o sentido da vida, irremediavelmente perdido para ele, pois sempre esteve escondido sob as máscaras para além das quais ele nunca conseguiu olhar. E, na manhã da Quarta-Feira de Cinzas, Pierrot esboçava um sorriso, Colombina derramava lágrimas, e Arlequim chorava amargamente.

Menotti del Picchia

2 comentários:

Lilian Goulart disse...

Belo Del Picchia!
De quem é a pintura?

Camões disse...

Boas, Lilian Goulart!

A pintura é do brasileiro Bruno Marcello que assina «Bua».

O lapso já está desfeito na publicação.

Quanto a Del Picchia... sempre belo!

Saudações!