Alinhamento Megalítico da Idade do Bronze
Salisbury, próximo a Amesbury,
no condado de Wiltshire, no
Sul da Inglaterra
64- «SOLSTÍCIO DE INVERNO»
Muito longe, no céu, em Júpiter ou Saturno, ou melhor ainda
em Sírius, dois astrónomos dirigiram seus telescópios para a Terra. Um deles é
um velho siriata, sábio ilustre, e outro seu discípulo, ainda principiante.
Neste instante é o último que, com o olho na ocular observa os astros.
O VELHO ASTRÓNOMO – Olha. Esse globo luminoso e pálido é a
Terra. Ela acaba de atravessar o solstício de inverno e começa aquilo a que
seus habitantes chamam um novo ano. Com uma ampliação maior, vou fazer com que
os veja a correr pelas ruas de suas cidades. É quando, sem dúvida para se
tranquilizarem nessa época de noites longas e frias, eles se presenteiam
reciprocamente e celebram festas noturnas… (Faz girar uma manivela.) 135, 136,
136, 5… isto deveria bastar… Diz-me o que estás vendo.
O DISCÍPULO – Que espectáculo admirável, mestre! Vejo imensos
povoados, em agitação. Cobre-os um nevoeiro cinzento e nesse nevoeiro caminham
alegremente homens e mulheres. Todos carregam embrulhos amarrados com barbantes
de cor. Alguns apertam nos braços uma árvore coberta de geada. As mães levantam
os filhos e mostram-lhes os brinquedos guardados em gaiolas de vidro. Os mais
pobres compram um presente qualquer. Quem esperaria encontrar tanto amor em
criaturas tão miseráveis?
O VELHO ASTRÓNOMO – Gosto dessa pequena raça; é corajosa. Há
quinze mil anos terrestres que a venho observando. Ela procura construir uma
felicidade durável. Todas as vezes que o edifício parece próximo de sua
conclusão, desaba e sepulta milhões de terráqueos. Todas as vezes, sem
desanimar, essas efêmeras recomeçam seus minúsculos esforços.
O DISCÍPULO – Lembro-me, mestre. Faz alguns dias, quando o
senhor me dava suas primeiras lições, mostrou-me os terráqueos que procuravam
destruir-se mutuamente. Era horroroso. Membros e cabeças arrebentavam. Gases
mortíferos asfixiavam rebanhos inteiros. Seus povoados ardiam. Eu não podia
compreender a fúria desses animálculos… Como é possível, mestre, que os mesmos
seres revelem hoje tanta bondade? Pelo menos repararam suas ruínas?
O VELHO ASTRÓNOMO – Observa tu mesmo.
O DISCÍPULO, (deslocando suavemente a luneta) – A desordem
ainda é grande. As casas estão reconstruídas, mas as trilhas das caravanas
continuam desertas e os navios estão nos portos, inúteis. No oriente, à orla de
um grande oceano, alguns insetos batalham. Por toda a parte estão paradas as
fábricas, por toda a parte vejo milhares de seres desocupados que buscam
penosamente com que se alimentar… Oh! mestre! Eis um espetáculo inacreditável.
Nesse mesmo glóbulo de lama onde há terráqueos morrendo de fome, outros
terráqueos acumulam e deixam apodrecer colheitas que parecem inúteis… Estarão
loucos?
O VELHO ASTRÓNOMO – Realmente, esse é o mais louco de todos
os planetas. Tal qual o estás vendo hoje, ou o vi, eu que o conheço bem, dez
vezes, cem vezes, no decorrer de sua história. Após cada convulsão, são-lhe
necessários quinze ou vinte anos terrestres para recuperar o equilíbrio. Depois
ele goza trinta ou quarenta anos de paz, e recomeça.
O DISCÍPULO – Mas não compreenderá a vaidade desses
passatempos cruéis?
O VELHO ASTRÓNOMO – Talvez comece a compreender. Eu
desesperaria desses terráqueos se não verificasse que, desde que os observo, no
fim de contas, progrediram um pouco. Vi-os fracos e miseráveis, refugiados no
alto das florestas para escapar às feras, famintos. A pouco e pouco vi-os
tornarem-se os senhores do planeta.
O DISCÍPULO (rindo) – Senhores de uma gota de lama…
O VELHO ASTRÓNOMO – Para eles ela é o mundo. Vencedores dos
animais, investiram contra os elementos. Comparar sua ciência à nossa seria
cômico. Apesar disso, para animálculos insignificantes, que vitória! E agora,
têm a seu serviço tantas forças novas que se vêem em dificuldades com elas.
Breve entrarão, como os siriatas, na era dos ócios inteligentes.
O DISCÍPULO – Compreendem eles sua história? Que pensam da
aventura de sua raça?
O VELHO ASTRÓNOMO – Abre o auscultador inter-estelar.
O jovem siriata regula, não sem dificuldade, um aparelho de mil engrenagens. Primeiro “pega”, estouvadamente, Saturno, Vênus, depois acha a Terra. Vozes a principio confusas tornam-se claras.
O jovem siriata regula, não sem dificuldade, um aparelho de mil engrenagens. Primeiro “pega”, estouvadamente, Saturno, Vênus, depois acha a Terra. Vozes a principio confusas tornam-se claras.
AS VOZES TERRESTRES – Crise sem precedentes – Catástrofe – Feliz Natal – Boas Entradas – Desta vez, é
o desastre definitivo – Mas não, meu querido, nada há de definitivo – Feliz
Natal – Boas Entradas – Estou arruinado – Que leva aí? – Alguns presentes para
as crianças – Feliz Natal – Boas Entradas -.
O DISCÍPULO – Como podem eles misturar assim votos festivos
e lamentações?
O VELHO ASTRÓNOMO – Não têm razão? Não sabes tu mesmo que
esse hemisfério, atualmente velado pela bruma e a neve, cobrir-se-á com as
flores viçosas da primavera dentro de três ou quatro meses? A árvore negra e
contorcida estará então como um ramalhete rosa ou branco, a relva viridente
sairá da terra nua e a ordem da desordem. Assim marcha o mundo.
O DISCÍPULO – Mundo estranho e cruel.
O VELHO ASTRÓNOMO – Mas que não é destituído de beleza.
André Maurois
Sem comentários:
Enviar um comentário