O poeta e jornalista checo Jaroslav Seifert, nasceu em Zizkov, subúrbio de Praga que noutro tempo fez parte da Áustria-Hungria, a 23 de Setembro de 1901. Nos anos vinte do século passado, foi considerado um dos maiores representantes da Checoslováquia na vanguarda artística, altura em que viu a sua primeira colectânea de poemas publicada. Venceu o Prémio Nobel da Literatura em 1984, vindo a falecer dois anos mais tarde, a 10 de Janeiro de 1986, em Praga.
Poet'anarquista
JAROSLAV SEIFERT
Poeta Checoslovaco
SOBRE O POETA...
Poeta, escritor e jornalista checoslovaco nascido em
Zizkov, um subúrbio de Praga, foi Prémio Nobel da Literatura (1984) pela poesia
plena de frescura, sensualidade e criatividade, produto de um ser humano
versátil e de um indomável espírito.
De uma família pobre, frequentou escola
secundária e logo começou a actuar no jornalismo (1918). Dedicou-se a escrever
poesias e publicou sua primeira colecção de poemas (1921).
Politicamente
alinhou-se à ala de extrema esquerda do Partido Democrático Social (1921),
embrião do Partido comunista na Checoslováquia. Tornou-se editor de jornais
comunistas e revistas como Rovnost, Srsatec, Reflektor, ao mesmo tempo em que
trabalhava na editora comunista e sua livraria.
Nos anos seguintes tornou-se o
representante principal da vanguarda artística checoslovaca. Traduziu do
francês autores como Apollinaire, Verlaine e outros. Junto com seis outros
escritores comunistas importantes, assinou um manifesto (1929) protestando
contra tendências bolcheviques na liderança nova do Partido Comunista de Checoslováquia, resultando na sua expulsão do partido, juntamente com os
signatários.
Na década seguinte serviu como editorialista para vários jornais
da imprensa democrática social e durante a ocupação alemã, foi editor do diário
Národní Práce, e depois de 1945, do sindicato Práce Diário. Durante os anos
seguintes (1945-1948), editou o jornal literário mensal Kytice.
Forçado a
deixar o jornalismo (1949), dedicou-se exclusivamente à literatura. Recebeu prémios
estatais (1936 /1955 /1968), foi designado o Artista Nacional (1967) e foi
eleito Presidente da União de Escritores checoslovacos (1968) e Presidente da
União dos Escritores checos (1969-1970). As suas principais obras foram Ruce
Venusiny (1936) e Desnikz Piccadilly (1978).
Morreu em Praga, a 10 de Janeiro de 1986.
Fonte: http://www.dec.ufcg.edu.br/
CONCERTO DE BACH
De manhã nunca dormi muito tempo;
os eléctricos acordavam-me
tal como os meus próprios versos.
Arrancando-me da cama pelos cabelos
eles arrastavam-me até à cadeira
e obrigavam-me a escrever
assim que tinha acabado de esfregar os olhos.
Religado por uma doce saliva
aos lábios de um instante singular
eu não pensava de maneira nenhuma
na salvação da minha alma miserável;
mais do que um eterno bem estar
eu desejava um breve momento
de prazer efémero.
Levantavam-me em vão os sinos do solo;
eu aderia-lhe com os meus dentes, as minhas unhas.
Ele estava cheio de perfumes
e de segredos provocantes.
Quando, de noite, eu olhava o céu
não era o céu que procurava.
Assustava-me muito mais com os buracos negros
escancarados algures no fundo do cosmos
e ainda mais assustadores
que o próprio inferno.
Mas eu pude escutar os sons do cravo.
Era um concerto
de Johan Sebastian Bach
para oboé, cravo e instrumentos de cordas.
De onde provinha? Ignoro-o.
Mas não era do solo.
Ainda que então não tivesse bebido vinho
eu cambaleava ligeiramente
e tive de me prender com grampos
à minha própria sombra.
De manhã nunca dormi muito tempo;
os eléctricos acordavam-me
tal como os meus próprios versos.
Arrancando-me da cama pelos cabelos
eles arrastavam-me até à cadeira
e obrigavam-me a escrever
assim que tinha acabado de esfregar os olhos.
Religado por uma doce saliva
aos lábios de um instante singular
eu não pensava de maneira nenhuma
na salvação da minha alma miserável;
mais do que um eterno bem estar
eu desejava um breve momento
de prazer efémero.
Levantavam-me em vão os sinos do solo;
eu aderia-lhe com os meus dentes, as minhas unhas.
Ele estava cheio de perfumes
e de segredos provocantes.
Quando, de noite, eu olhava o céu
não era o céu que procurava.
Assustava-me muito mais com os buracos negros
escancarados algures no fundo do cosmos
e ainda mais assustadores
que o próprio inferno.
Mas eu pude escutar os sons do cravo.
Era um concerto
de Johan Sebastian Bach
para oboé, cravo e instrumentos de cordas.
De onde provinha? Ignoro-o.
Mas não era do solo.
Ainda que então não tivesse bebido vinho
eu cambaleava ligeiramente
e tive de me prender com grampos
à minha própria sombra.
Jaroslav Seifert
CAFÉ-CONCERTO
O arrastão nada em manobras
em meio das vagas acha um violino
o boné do capitão escapa-lhe
e voa em torno do navio, branca ave.
O arco, esse,
arrastado pelas correntes quentes,
foi levado até ilhas desconhecidas,
mesmo até à enseada onde a água se detém.
Só palmeiras de cartão
podem florescer sob este céu,
as conchas das ruas desertas
no fundo dos serões.
Lá, rodeado pelos perfumes
da ilha, pavoneia-se um rei negro,
com o arco na mão.
Lá, as cabeças de um povo submetido
como os pequenos pontos das notas pretas
dançam em semi-círculo à volta dele.
E, descrevendo a curva de uma clave de sol,
as serpentes elevam-se faiscantes acima da erva.
Tocai, pois, mas suavemente, violinos.
A Europa quer dormir, nada mais que dormir,
e vomita as estrelas.
Jaroslav Seifert
O arrastão nada em manobras
em meio das vagas acha um violino
o boné do capitão escapa-lhe
e voa em torno do navio, branca ave.
O arco, esse,
arrastado pelas correntes quentes,
foi levado até ilhas desconhecidas,
mesmo até à enseada onde a água se detém.
Só palmeiras de cartão
podem florescer sob este céu,
as conchas das ruas desertas
no fundo dos serões.
Lá, rodeado pelos perfumes
da ilha, pavoneia-se um rei negro,
com o arco na mão.
Lá, as cabeças de um povo submetido
como os pequenos pontos das notas pretas
dançam em semi-círculo à volta dele.
E, descrevendo a curva de uma clave de sol,
as serpentes elevam-se faiscantes acima da erva.
Tocai, pois, mas suavemente, violinos.
A Europa quer dormir, nada mais que dormir,
e vomita as estrelas.
Jaroslav Seifert
PEQUENA CANÇÃO DA NOITE
As gatas irrompem das águas-furtadas
e tornam-se verdes na noite.
Eu procurava em vão uma palavra nova
para isso a que os outros chamam sonho.
Para esta quimera, coisa ou instante,
que ultrapassa os limites da tua realidade
e depois - para te submeter ao seu próprio império -
não chega quase a ter corpo.
Para isso que é um simples murmúrio
e se dilacera a cada choque,
assim como um pão de gaze ligeiro
que, rente à tua fronte, flutua no ar.
Isso que, com o sangue, chega ao rosto
e faz sonhar as jovens raparigas
logo que, confessando-se à almofada,
se escondem sob os cobertores.
Para isso que surge assim que as tuas mãos
cobrem os teus olhos; isso que quase
a tua orelha não ouve, quando há um suspiro -
muito baixo - num recolhimento solitário.
Para esses olhos e esse olhar, enfim,
com os quais uma senhora me deslumbrou.
E com os quais, desde então, eu sonho ainda,
balbuciando versos comovidos.
Velar sem prazo, pela dor:
nada me impedirá de dormir mal.
A cidade? Dorme. Lá em baixo, o dique
purifica o ouro pálido das estrelas.~
e tornam-se verdes na noite.
Eu procurava em vão uma palavra nova
para isso a que os outros chamam sonho.
Para esta quimera, coisa ou instante,
que ultrapassa os limites da tua realidade
e depois - para te submeter ao seu próprio império -
não chega quase a ter corpo.
Para isso que é um simples murmúrio
e se dilacera a cada choque,
assim como um pão de gaze ligeiro
que, rente à tua fronte, flutua no ar.
Isso que, com o sangue, chega ao rosto
e faz sonhar as jovens raparigas
logo que, confessando-se à almofada,
se escondem sob os cobertores.
Para isso que surge assim que as tuas mãos
cobrem os teus olhos; isso que quase
a tua orelha não ouve, quando há um suspiro -
muito baixo - num recolhimento solitário.
Para esses olhos e esse olhar, enfim,
com os quais uma senhora me deslumbrou.
E com os quais, desde então, eu sonho ainda,
balbuciando versos comovidos.
Velar sem prazo, pela dor:
nada me impedirá de dormir mal.
A cidade? Dorme. Lá em baixo, o dique
purifica o ouro pálido das estrelas.~
Jaroslav Seifert
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