«Um Mini Conto»
Monte do Meio, por JPGalhardas
74- «Um Mini Conto»
(Diálogo entre um Escritor e o seu Pseudónimo)
Este diálogo teve lugar na grande varanda alpendrada do
primeiro andar do Monte do Meio. A varanda, que estava virada para sul, era
coberta por um alpendre suportado por colunas de ferro forjado. De ferro
forjado era também o parapeito. As telhas mouras, assentavam num complicado
desenho de vigas em madeira de azinho antigo. O chão era de lajes de xisto e
ladrilhos quadrados, de barro cozido, colocados ao acaso, e que mostravam a sua
antiguidade pelo aspecto gasto e poroso. A varanda comunicava com o interior do
edifício por duas portas de ombreira larga e quatro janelas que ladeavam as
portas.
Nas tardes soalheiras de fim do outono, era o local mais agradável do monte. Timidamente, o sol aquecia a varanda, e não era de admirar que o homem se encontrasse sentado num velho cadeirão, de madeira e couro, enquanto atacava o fornilho do cachimbo com um tabaco escuro, a que adicionou uns fios de erva que tinha retirado de uma pequena caixinha de lata. Caixinha essa que imediatamente voltou a meter no bolso do colete, como se de um bem valioso se tratasse.
MOZART
«Don Giovanni - Abertura»
Poet'anarquista
Do interior da casa chegava, através das portas abertas, o som da ópera «Don
Giovanni», de Mozart, enquanto uma voz de mulher tentava acompanhar, sem nenhum
êxito, diga-se, os tons da soprano que executava a ária.
«Escritor»
Fumando o Cachimbo, por JPGalhardas
«Escritor»
Fumando o Cachimbo, por JPGalhardas
E foi quando o escritor já estava a cachimbar, deliciado, que o diálogo
aconteceu.
Pseudónimo – “Estás p’raí a fumar as tuas misturas, atendendo ao vício, sem te
lembrares que ainda não resolveste a questão de que falámos há dias.“
Escritor – “Não há nada para resolver. Pensei que isso tinha ficado claro.“
P. – “Nada ficou claro.“
E. – “Pois fica sabendo que não vou alterar a situação. Tu és uma criação minha
e só deixarás de sê-lo quando eu entender. Fui eu quem te deu vida; fui eu quem
deu a conhecer o teu nome. Fui eu quem te deu fama e fui eu quem fez de ti um
homem rico. Até uma história de vida te inventei . Que mais queres tu ?“
P. – “Essa do homem rico faz-me rir. E além disso, quero ter vida própria. Não
quero estar sujeito às tuas manias e aos teus devaneios de escritor de meia
tigela. Quero escrever o que me der na gana, e não essas tretas a que tu dás
tanta importância, mas que apenas, e só, interessam a ti mesmo.“
E. – “Olha que estás enganado! Lembra-te que o último livro de contos já vendeu
cerca de quatro mil exemplares, o que, num país como o nosso, não é nada mau.“
P. – “Pois eu estou-me nas tintas para o número de exemplares vendidos.
Nego-me, terminantemente, a continuar a assinar as insignificâncias que
escreves.“
E. – “Já que é essa a tua opinião, amanhã mesmo, resolverei o assunto.“
O diálogo terminou neste ponto, pois de dentro de casa, chegou uma voz de mulher, perguntando se ele também queria uma chávena de chá. Ele respondeu que não, que precisava de algo mais forte.
O diálogo terminou neste ponto, pois de dentro de casa, chegou uma voz de mulher, perguntando se ele também queria uma chávena de chá. Ele respondeu que não, que precisava de algo mais forte.
Pouco depois entrou na varanda uma mulher de cerca de cinquenta anos. Alta e esguia. Trazia um lenço a cobrir-lhe a cabeça. No rosto, de feições magras e angulosas, mas bonitas, brilhavam dois grandes olhos cinzentos. Os olhos dos Rodriguez Potra. O seu corpo, alongado pelas calças que vestia, parecia um vime inclinado quando se debruçou para depositar a bandeja na pequena mesa. Chá e vodka, foi o lanche daqueles dois.
«Servindo o Vodka»
Cocktail, por JPGalhardas
Quando se sentou, disse que estava preocupada com o comportamento dele nos
últimos dias; as suas atitudes não eram normais. Agora mesmo, estivera a falar
sozinho durante muito tempo. De imediato, e de forma desabrida, exaltada, ele
refutou as palavras da mulher, dizendo que essa impressão se devia aos
medicamentos que ela estava tomando. Logo se arrependeu de ter proferido tais
palavras.
O caso era sério e ele não devia falar assim. Ela não merecia tal tipo de resposta. – pensou.
No passado recente, depois de quase trinta anos de casamento, ele saíra de casa. Tinham vivido separados durante largos meses. Voltara para casa quando a soubera sozinha e a lutar com uma doença oncológica. Os dois filhos estavam no estrangeiro, e nem sequer tinham um conhecimento exacto do estado da mãe. Quando voltou, ela estava com a vida por um fio. Não só por causa da operação, muito melindrosa, a que tinha sido sujeita, mas também porque estava exausta psicologicamente.
Agora, porém, tudo indicava que o pior tinha sido ultrapassado. A operação, e os tratamentos de quimioterapia, assim como as últimas análises, indiciavam que o monstro tinha sido vencido.
As aflições e as incertezas, tinham-nos aproximado de novo. E, pesem embora os sustos e as inquietações provocadas por uma doença dessa natureza , no último ano, tinham-se reencontrado.
Mais tarde, já na cama, pediu à mulher para o acompanhar a Lisboa num dos próximos dias.
A experiência dela, como advogada, iria ser muito útil na conversa que queria
ter com o seu editor.
O objectivo, segundo explicou, era ver-se livre de um pseudónimo.
Orson W. Calabrese
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