«As Quatro Estações»
As Quatro Estações, por Arcimboldo
134- «AS QUATRO ESTAÇÕES»
Era uma vez um rei chamado Sol. Todos o conhecem. Todos o
estimam.
Poderoso, os seus raios são espadas. Majestoso, os seus raios são de ouro e
mais do que todo o ouro valem. Generoso, os seus raios são fios de vida.
Poderoso, majestoso e generoso era este rei, mas tinha um grande desgosto – os
seus quatro filhos davam-se muito mal uns com os outros.
Chamavam-se os quatro irmãos, por ordem de idade, a começar pelo mais
novo: Primavera, Verão, Outono e Inverno. Bulhavam constantemente, porque todos
queriam, à uma, governar a Terra. Ora isto não podia ser.
Assim pensando, o rei Sol decidiu que cada um deles governasse por sua vez,
durante um certo tempo. As ordens de um pai, para mais rei, e ainda por cima
Sol, têm de se cumprir.
O Outono não gostava desta partilha. Queixava-se de que lhe não davam tempo...
Ainda estava ele a arrumar e a alindar a casa, pintando tudo da cor púrpura, em
tons e meios-tons amarelos doirados, e já o Inverno lhe batia à porta. Então o
Outono tinha uma birra e arrancava as folhas das árvores, algumas ainda por
pintar...
Saía o Outono com lágrimas nos olhos e entrava o Inverno.
— Em que desordem isto está — exclamava ele, irritado. E punha-se a varrer.
Varria com tanta força que fazia vento. Depois lavava, em grandes bátegas,
caídas do céu... As sementes e os grãozinhos, que o Outono deitara à terra,
assustavam-se:
— Iremos nós também na cheia? — perguntavam uns para os outros.
O Inverno ouvia-os e dizia-lhes:
— Sosseguem! Durmam descansados. Vai tudo dormir um longo sono. Assim tem de
ser.
E tão carinhoso ele era que cobria os lugares mais desprotegidos da terra com
um manto branco de neve.
Lá fora, a Primavera impacientava-se. Não tinha feitio para suportar os vagares
do irmão. Às vezes, não se continha que não perguntasse pela frincha da porta:
— Já posso?
Ainda era cedo, mas só de lhe ouvirem a voz, as primeiras flores rompiam a
terra.
Então, quando ela chegava, era uma festa. Corria a Primavera de lés a lés e não
havia ervinha, folha, haste, flor que não quisesse dançar com ela. Era uma
enorme roda de alegria.
Mas a folgança não podia continuar sempre. Cansada do bailarico, a Primavera
dava de bom grado o seu lugar ao Verão.
— Vamos trabalhar — dizia ele, assim que chegava.
E trabalhava-se, pois então! Os grãos e os frutos amadureciam. As flores
arrecadavam tesouros. Nas tocas, nos ninhos, nos cortiços e por toda a parte,
as palavras de ordem eram: trabalhar, colher, guardar.
Enquanto, nas praias, uns gozavam as férias, outros, no campo, não tinham
descanso.
— O essencial fica feito. Deixo os retoques ao cuidado do meu irmão Outono —
dizia o Verão, à despedida.
Lá vinha o Outono, com pincel e tintas apurar as cores. Achava sempre que
merecia mais tempo. São tantas as tonalidades, do verde-escuro ao castanho, do
laranja ao vermelho... Não se pode fazer obra asseada quando se sente os passos
do Inverno a aproximarem-se. Que nervos!
Sorrindo no seu trono, o Sol acompanhava a obra dos seus quatro filhos.
Descansa. Eles estão a dar muito boa conta de si.
E o Sol, risonho, ainda mais resplandece.
António Torrado
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