Nota do autor: «Episódios avulso e sem importância, passados em Angola no
tempo colonial.»
«O Tio Rico»
Vila Henrique de Carvalho, hoje Saurimo (1972)
31- «O TIO RICO»
O tio Rufino – “Chindele” para os nativos de Saurimo – vivia
em Vila Henrique de Carvalho. Bem... não era bem em Vila Henrique de Carvalho,
era num sítio a que chamavam Sibéria, como se fosse possível haver uma Sibéria
em África. Essa Sibéria quente e tropical ficava, embora sem ponto no mapa que
a assinalasse, sensivelmente a meio do espaço que mediava entre a linha do
Equador e a linha do trópico de Capricórnio. Fui eu mesmo que medi as
distâncias através daquele estojo, novo em folha, com compasso, transferidor e
várias réguas, que recebi quando entrei, cheio de vaidade, para o Liceu
Nacional Diogo Cão, em Sá da Bandeira. Distâncias medidas meticulosamente, com
escala e tudo, já que eu estava com uma pressa tremenda para utilizar esses
novos instrumentos de ensino. Isto aconteceu depois do meu avô, irmão do tio
Rufino, morrer misteriosamente lá para os lados do Cuito Cuanavale.
Vista de Cuito Cuanavale, Angola (1971)
Local onde foi morto o irmão de Rufino Potra
Disse-se na
família que tinha sido assassinado. Nunca se chegou a saber ao certo como tinha
ocorrido a morte. Depois caiu um enorme silêncio sobre esse acontecimento, e
ninguém mais na família abriu a boca sobre esse assunto.
Cidade Sá da Bandeira, Angola (1965)
Hoje Cidade de Lubango
Ora nós, o ramo
africano dos Rodriguez Potra, já estávamos em Angola há três gerações, sempre a
viver em Sá da Bandeira e Moçâmedes, sendo que os diversos membros da família
sempre se tinham casado com pessoas de etnia branca. O que quero dizer é que
éramos uma das poucas famílias da cidade que não tinha mestiços no seio familiar.
E isso era um facto que até me incomodava pois quase todos os meus amigos eram
mulatos e os que não eram, tinham mulatos primos ou irmãos.
Baía de Moçâmedes, Angola (1964)
Hoje Cidade de Namibe
Mas esta situação
terminou com a chegada do tio Rufino. Este meu tio-avô merece uma referência
especial, pois era dado na família como a ovelha ranhosa. Mal se apanhou com
vinte anos saiu de casa e desapareceu. Um dia, vinte anos depois, chegou a nova
de que estava estabelecido em Vila Henrique de Carvalho, muito bem instalado na
vida e com família constituída.
Monumento a Henrique de Carvalho
Explorador português do séc. XIX
Outros vinte anos passaram, sempre com notícias
muito descontinuadas, até que aconteceu a morte do meu avô. Foi por altura da
morte do irmão que decidiu regressar à terra que o vira nascer. Vinha com a
família que entretanto tinha constituído. Regressava muito, muito rico, com
mais de sessenta anos, já viúvo, quatro filhos, todas as noras, e dez netos. E
foi por essa altura que o velho casarão familiar se encheu de mulatos com
diversos graus de graduação na cor. O único com pele branca era ele. É claro
que as más línguas locais logo espalharam que se tinha abotoado com vários
frascos de diamantes, já que tinha vivido quarenta anos na região em que essas
pedras abundavam. Mas esse assunto também nunca foi abordado nas conversas
familiares.
Orson W. Calabrese
Nota explicativa com os novos nomes das cidades nomeadas
deste texto:
Vila Henrique de Carvalho – hoje, Saurimo
Moçâmedes – hoje, Namibe
Sá da Bandeira – hoje, Lubango
O Cuito Canavale mantém o mesmo nome.
Sem comentários:
Enviar um comentário