Nota do autor: «Episódios avulso e sem importância,
passados em Angola no tempo colonial.»
«O Tio Músico»
Carlos Paredes, Seregrafia de Marco Moura
32- «O TIO MÚSICO»
Foi para agradar dos pais – os meus avós – que se mudou para Lisboa. Ele queria era
continuar a ritmar com os companheiros do “N’Gola”, nos merengues e rebitas nos
musseques dos arredores de Luanda.
Cidade de Luanda, Angola (1972)
Marginal à Baía
Com muito boas notas no Liceu Salvador
Correia, facilmente conseguiu entrar na Faculdade de Medicina da Universidade
de Lisboa. Mas ele queria lá saber das medicinas, o que ele queria era ser
músico. E assim que se apanhou à solta na capital do império, com dinheiro no
bolso, frequentou todas as matinés do Monumental, chegando a integrar alguns
dos conjuntos que aí actuavam nos domingos à tarde. Por essa altura já estava
fascinado pela guitarra portuguesa e, assim, vadiou por todas as casas de fado
da cidade. Acarinhado por todos, e por ser um bom companheiro, depressa
arranjou quem o iniciasse nos segredos desse instrumento. Rapidamente se fez
mestre.
Cine-Teatro Monumental, Lisboa (1952)
Foto Estúdio Novais e Fundação Gulbenkian
Quem diria que aquele mulato, comprido de quase dois metros, teria
tanto talento para a guitarra portuguesa, instrumento que os puristas do fado,
em Lisboa, consideravam da sua inteira
exclusividade!? É claro que tanta rambóia teria que acabar mal. Após três
chumbos seguidos lá pelas medicinas, e várias discussões epistolares, os pais
cortaram-lhe a mesada. Mas o que ganhava em Lisboa não era suficiente para se
aguentar em Portugal. Com a ajuda e a cumplicidade da irmã – a minha mãe –
regressou a Luanda.
Regresso a Luanda
T-6 Descolando rumo a Angola
Sempre sob a indiferença dos pais, chegou a ser guitarrista
privativo da casa de fados “Muxima”. E as noitadas no “Vilela”, com bacalhau
assado na brasa e caldo verde com chouriço, acompanhando os fadistas locais e
os que estavam de passagem. Isso nem se conta! Para angariar um sustento extra,
trocava muitas vezes a guitarra pela viola, ou pelos tambores – de seu próprio
fabrico – e, juntamente com os velhos companheiros de juventude, farra e
catuta, lá voltava ele a animar, sempre que a ocasião se proporcionava, os
antigos merengues e rebitas.
«Merengues e Rebitas»
Festa Africana, por Neves e Sousa
Morreu novo. Tuberculoso, segundo disse mais tarde a minha
mãe. Ainda não tinha quarenta anos.
E quando tivemos que desocupar o apartamento que mantinha
alugado ali para os lados da Samba, reparámos que tinha um poster da Amália
Rodrigues à cabeceira da cama. E uma enorme quantidade de pautas e letras de
fados que nunca foram cantados.
Orson W. Calabrese
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