Meu caro Cabé
Na sequência da conversa que tivemos no bar da Lena, já lá
vão bem mais de três meses, durante a qual falámos dos conteúdos do blogue de
que és responsável, lembro-me que veio à baila a hipótese de eu escrever, para o Poet’Anarquista, um ou outro
texto avulso sobre cinema. Para ser completamente franco, devo dizer-te que me
senti muito honrado com essa possibilidade. E logo decidi que sim, que
escreveria esses tais textos. A única dúvida que me assaltou, e que tem
atrasado esta carta, foi se eu teria a capacidade necessária e suficiente para
corresponder à qualidade a que os leitores do blogue estão habituados. Como
certamente recordas, ainda falámos do nosso comum amigo, Rufino Casablanca, que
infelizmente já não está entre nós, e cujas crónicas sobre cinema têm sido, ao
longo de anos, publicadas no blogue do também nosso comum amigo, Chico Manuel.
Pois, meu caro Cabé, o facto de eu e o Rufino nos conhecermos muito bem, o
facto de ao longo de muitos anos termos sido unha com carne, não quer dizer que
eu saiba escrever sobre cinema como ele o fazia. A facilidade com que ele
falava sobre questões da 7.ª Arte, tenho a certeza, eu não a possuo. Ainda
assim, e como gosto de desafios, aqui te envio esta apreciação sobre um dos
realizadores preferidos do Rufino. Com a devida vénia, é claro.
Realização de Roberto Benigni
Roberto Benigni
“O Tigre e a Neve”
(Ainda em aparte, e como tu muito bem sabes, o Rufino era um
tipo muito complicado. Por vezes, quando queria ir para Bencatel, rumava
primeiro para a Mina do Bugalho. Nesta volta absurda, não estaria fora da sua
ideia, encontrar-se primeiro com a Eveline Sambraz, que por essa altura já
vivia naquele monte ali ao lado da ermida do Senhor São Brás.)
Pois bem, também eu vou começar este escrito como o Rufino o
começaria: Correndo primeiro noutro sentido para depois chegar onde pretendia
ir.
Chegando a Bagdad
O Roberto Benigni realizou e foi um dos intérpretes deste
filme.
Uma das várias personagens que eram poetas. O nome da
personagem que interpretou chamava-se Atillio. E chamava-se Atillio porque Roberto
Benigni, que no filme é poeta, quis assim homenagear um poeta italiano do
século vinte, muito do seu gosto, e cujo nome completo era Atillio Bertolucci.
Que por sua vez era pai do realizador de cinema Bernardo Bertolucci, bem
conhecido de todos nós. Esta, é uma das curiosidades deste filme que o Rufino
nunca deixaria de referir se fosse ele a escrever esta crónica.
Bem... vamos lá então ao “Tigre e a Neve”
Trata-se de uma comédia dramática passada durante a guerra
do Iraque.
A ex-mulher da personagem interpretada por Roberto Benigni é
apanhada em plena guerra e gravemente ferida.
Entra em coma.
Cena do filme «O Tigre e a Neve»
Tentando reanimar sua ex-mulher do coma
E ele vai imediatamente para Bagdad, tentando, de todas as
formas, salvar aquela que ainda ama.
O filme conta-nos, entre cenas desesperadas e dramáticas, e outras burlescas, as tentativas e truques dele para tirar a antiga mulher daquele inferno.
Um filme interessantíssimo que, em muitos aspectos, nos faz
lembrar o grande filme que Roberto Benigni realizou em 1997, “A Vida é Bela”.
Roberto Benigni/Nicoletta Braschi/Jean Reno
Contracenando em «O Tigre e a Neve»
A personagem feminina é interpretada por Nicoletta Braschi,
que na vida real é casada com o realizador.
O filme conta também com a participação de Jean Reno. Desta
vez, este actor francês, desempenha um papel secundário. Secundário, mas muito
ao nível do grande actor que é. Desempenha o papel de um poeta iraquiano que
acaba por se suicidar perante as atrocidades que vê serem cometidas no seu
país.
É um grande filme, que conta uma história de amor, com uma
realização segura e interpretações de muito nível.
Cenário de Guerra no Iraque
«O Tigre e a Neve», de Roberto Benigni
Foca um tema de grande importância (a guerra do Iraque) que,
curiosamente, apenas tem sido levado ao cinema por cineastas americanos.
Tanto quanto sei – e admito não saber muito – Roberto
Benigni foi o único realizador europeu a abordar este assunto no cinema de
ficção.
E a forma como o aborda, meu caro Cabé, em minha opinião,
tem muitas lacunas. Lacunas facilmente explicáveis pelo desejo de Roberto
Benigni em que este filme tivesse, nos Estados Unidos da América, um êxito
semelhante ao que tinha tido a sua – até agora – obra prima: “A Vida é Bela”.
Mas não vou meter-me por esse caminho. Isso implicaria
passar a falar de política em vez de cinema.
Fiquemos por aqui.
Um abraço e até uma próxima ocasião.
Orson W. Calabrese
10/03/2014
«O TIGRE E A NEVE»
ROBERTO BENIGNI
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