«De Quanta Terra Precisa o Homem»
Povoado do séc. I a.C./ Rocha da Mina
250- «DE QUANTA TERRA PRECISA O HOMEM?»
[Trecho]
[Trecho]
A irmã mais velha foi visitar a irmã mais nova. A mais velha
morava na cidade e era casada com um próspero comerciante; a mais nova morava
numa aldeia e era casada com um camponês.
As irmãs sentaram-se para tomar chá e conversar. A mais velha começou a se
gabar das vantagens de viver na cidade, do conforto e da boa vida que levava em
sua casa, de que era possível vestir-se bem e às crianças, comer e beber sem
medida, passear, ir a festas, assistir a espectáculos de teatro, e tantos outros
entretenimentos.
A irmã mais nova, sentindo-se ofendida, começou a criticar a
vida na cidade e defender a vida no campo.
- Eu não trocaria a minha vida pela sua por nada - disse
ela. - Vivemos humildemente, mas pelo menos não vivemos com medo. Sua vida pode
ser melhor que a nossa, podem ganhar muito dinheiro, mas também podem perder
tudo. Lembra o ditado: "Lucrar e perder são irmãos gémeos". Hoje,
você está rica e, amanhã, está pedindo esmolas.
E continuou:
- A vida no campo é mais segura. Não vamos ficar ricos, mas
tiramos da terra o suficiente para não passarmos fome.
A irmã mais velha deu o troco:
- O suficiente para não passar fome? Claro! Se dividem o
alimento com as vacas, os porcos e as galinhas. O que sabem vocês de moda e
elegância? Por mais que seu marido trabalhe, vão viver e morrer no meio do
esterco. E assim vão continuar os seus filhos.
- E o que você tem com isso? - retrucou a mais nova. -
Sabemos que a nossa vida é rude. Porém é segura, e não precisamos reverenciar
ninguém. Vocês vivem cercados de tentações. Hoje pode estar tudo bem, mas
amanhã o diabo pode tentar o seu marido com cartas e vinho, e todo esse encanto
de que você se pavoneia estará arruinado.
Pahkóm, o dono da casa, estava sentado perto da lareira e
ouvia as duas irmãs tagarelarem.
"É a pura verdade", pensou ele. "Desde a infância ocupado com a
terra, um caipira como eu não tem tempo de encher a cabeça com bobagens. Nossa
única preocupação é a falta de terra. Se eu tivesse muita terra, não temeria
nem mesmo o próprio diabo."
As irmãs terminaram de beber o chá, conversaram um pouco
sobre vestidos, arrumaram a mesa e foram dormir.
Mas o diabo, escondido atrás da lareira, tinha ouvido toda a
conversa e ficara muito contente que a esposa de Pahkóm conseguisse provocar o
marido a ponto de ele, com despeito, se vangloriar de que, se tivesse muita
terra, não temeria nem mesmo o próprio diabo.
"Muito bem! Então vamos medir forças. Vou dar o que ele
pede e, assim, ele vai ficar em minhas mãos", pensou o diabo.
Próximo da aldeia, morava uma mulher, dona de uma
propriedade de quase cento e cinquenta hectares. Ela vivia em paz com os
vizinhos da aldeia até o dia em que contratou um velho soldado aposentado para
cobrar multas dos camponeses. Por mais cuidadoso que Pahkóm fosse, vez ou outra
um de seus cavalos escapava e invadia a plantação de aveia da mulher, ou uma
vaca pisoteava seu jardim, ou seus bezerros adentravam suas pradarias. Tudo
isso resultava em pesadas multas.
Pahkóm pagava as multas remoendo o incidente.
Naquele verão ele teve um grande prejuízo com as invasões e
muitas discussões com o cobrador impiedoso.
Com a chegada do inverno, Pahkóm ficou mais animado, pois
nessa estação os animais permaneciam recolhidos ao estábulo. Ele resmungava um
pouco por gastar mais com ração, e descontava a raiva nas pessoas de sua
família.
Certo dia, correu a notícia de que a mulher estava
negociando suas terras com um latifundiário da região. Os camponeses ficaram
alarmados, pois pensavam que o latifundiário poderia arruiná-los com multas
piores que as da mulher. A sobrevivência deles dependia daquela propriedade.
Os camponeses decidiram visitar a mulher em nome da
comunidade e pediram a ela que não vendesse as terras ao latifundiário,
argumentando que eles ofereceriam um preço melhor.
Ela aceitou a proposta. Os camponeses tentaram arrumar um jeito para que a
comunidade comprasse toda a propriedade e a administrasse. Mas, em duas
sessões, não conseguiram chegar a um acordo. O diabo, infiltrado nas reuniões,
não fez outra coisa a não ser semear a discórdia.
Os camponeses decidiram, então, comprar a terra
individualmente, quer dizer, de acordo com as possibilidades de cada um. A
mulher considerou a soma total e concordou com o negócio.
Pahkóm ouviu, então, que seu vizinho comprara cinquenta hectares e a mulher
aceitara receber metade do pagamento parcelada no prazo de um ano. Sentiu
inveja e disse à esposa:
- Olhe para isso! Todos já estão comprando terras. Nós
também precisamos comprar no mínimo uns vinte hectares. Não podemos esperar ser
esmagados pelas multas.
Começaram a fazer contas e pensar numa forma de comprar as
terras que desejavam.
Somaram cem rublos. Venderam um potro, metade do apiário,
puseram um dos filhos para trabalhar recebendo o salário adiantado. Pahkóm
pediu parte do dinheiro emprestada ao cunhado e, dessa forma, reuniram metade
da quantia necessária.
Pahkóm escolheu um lote de quarenta hectares, que incluía um
pequeno bosque, e partiu para negociar com a mulher.
Chegaram a um acordo e, em seguida, foram até a cidade para assinar o contrato de compra. Ele pagou a metade em dinheiro e comprometeu-se a pagar o restante em dois anos.
Chegaram a um acordo e, em seguida, foram até a cidade para assinar o contrato de compra. Ele pagou a metade em dinheiro e comprometeu-se a pagar o restante em dois anos.
Agora, Pahkóm já tinha a terra que queria. Conseguiu
sementes e cultivou a terra que havia comprado. A colheita foi boa, e em um ano
ele saldou a dívida que tinha com a mulher e com o cunhado.
Pahkóm tornou-se um proprietário aplicado - arava e semeava a terra, cortava
árvores quando precisava, fez boa reserva de forragem para alimentar o gado.
Quando saía pelo campo para observar o trigo que crescia nas suas pradarias,
seu coração pulava de alegria. Ervas e flores cultivadas ali pareciam-lhe
diferentes das de qualquer outro lugar.
[...]
Liev Tolstói
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