«As Três Perguntas»
Conto de Liev Tolstói
262- «AS TRÊS PERGUNTAS»
Certa vez, ocorreu a um imperador que, se soubesse responder
apenas às seguintes perguntas, nada jamais o afastaria do caminho justo:
Qual é o melhor momento para qualquer coisa?
Quais são as pessoas mais importantes em qualquer trabalho?
Qual é a coisa mais importante a fazer em qualquer momento?
O imperador promulgou um decreto para todo o seu império, anunciando que quem
soubesse responder às três perguntas receberia uma grande recompensa. Depois de
ler este decreto, muitos se dirigiram ao palácio com as suas diferentes
respostas.
Respondendo à primeira pergunta, alguém sugeriu ao imperador que estabelecesse
uma ocupação total do tempo, com as horas, dias, meses, anos e as tarefas a
realizar. Se seguisse isso à letra, o imperador poderia então vir a fazer cada
coisa em seu devido tempo. Uma outra pessoa retorquiu que era impossível prever
tudo, que o imperador devia pôr todas as distracções inúteis à parte e manter-se
atento a todas as coisas, para saber quando e como agir. Uma outra insistiu que
o imperador sozinho não podia possuir a clarividência e a competência
necessárias para decidir quando fazer algo. Parecia-lhe que o mais importante
era nomear um Conselho de Sábios e agir de acordo com as suas recomendações.
Uma outra pessoa disse que certas questões necessitavam de uma decisão imediata
e não podiam esperar por uma consulta. Contudo, se o soberano desejasse
conhecer com antecedência o que ia acontecer, ser-lhe-ia possível interrogar os
adivinhos e os magos.
As respostas à segunda pergunta também divergiram muito entre si. Alguém disse
que o imperador devia colocar toda a sua confiança nos seus ministros; um outro
recomendou que fosse aos padres e aos monges; outros, ainda, aos médicos e
mesmo aos militares.
À terceira pergunta foram dadas respostas igualmente variadas. Alguns afirmaram
que a procura mais importante era a ciência, outros insistiram que era a
religião e outros, ainda, a arte da guerra. O imperador não ficou satisfeito
com nenhuma das repostas e não atribuiu a ninguém a recompensa.
Depois de várias noites de reflexão, o soberano decidiu visitar um eremita que
vivia na montanha e que era tido por ser iluminado. O imperador desejava
encontrar o santo homem para lhe fazer as três perguntas, mas sabia muito bem
que o eremita nunca deixava as montanhas e que era conhecido por não receber
senão pessoas pobres e por recusar qualquer contato com ricos e poderosos. Por
esta razão, o soberano disfarçou-se como um pobre camponês e ordenou à sua
escolta que esperasse por ele aos pés da montanha, enquanto sozinho procurava o
eremita.
Ao chegar à morada do homem santo, o imperador avistou-o a cavar o jardim
diante da sua cabana. Ao ver o estrangeiro, o eremita saudou-o com a cabeça e
continuou a cavar. Era um trabalho aparentemente muito penoso para um velho:
ele ofegava ruidosamente a cada vez que enterrava a enxada no solo para
revolver a terra. O imperador aproximou-se dele e disse: “Vim pedir a vossa
ajuda. São estas as minhas perguntas”:
“Qual é o melhor momento para qualquer coisa?”
“Quais são as pessoas mais importantes em qualquer trabalho?”
“Qual é a coisa mais importante a fazer em qualquer momento?"
O eremita escutou-o atentamente e retomou o trabalho depois de dar uma pequena
palmada no ombro do imperador. O monarca disse então: "Deveis estar
cansado. Deixai-me ajudar-vos".
O velho homem agradeceu-lhe, entregou-lhe a enxada e sentou-se no chão para descansar.
Depois de ter cavado duas fileiras, o imperador parou, voltou-se para o eremita
e repetiu-lhe as suas três perguntas. De novo, o velho homem não respondeu, mas
levantou-se e disse-lhe, mostrando a enxada: "Porque não descansais um
pouco? Eu continuo". Mas o imperador continuou a cavar a terra. Passaram
uma e outra hora. Por fim, o sol pôs-se atrás da montanha. O soberano pousou a
enxada e disse ao eremita: "Escutai-me, eu vim até aqui para vos perguntar
se sabeis responder às minhas três perguntas. Mas se não souberdes, dizei-mo
para eu regressar à minha casa".
O eremita levantou a cabeça e perguntou ao imperador: "Ouvis alguém a
correr na nossa direção?”. O imperador virou a cabeça e ambos viram surgir do
bosque um homem com uma longa barba branca. Corria tropegamente, com as mãos a
pressionar uma ferida no ventre, que sangrava. O homem correu em direção ao
soberano até cair sem sentidos no chão. Gemia. Ao abrir a sua camisa, o
imperador e o eremita viram que ele tinha uma ferida profunda. O monarca
limpou-a totalmente e, a seguir, fez-lhe um curativo com a sua própria camisa.
Visto que o sangue corria abundantemente, teve de enxaguar e enfaixar várias
vezes a sua camisa até conseguir estancar o sangue da ferida.
Finalmente, o homem ferido retomou a consciência e pediu água. O imperador
correu até ao rio e trouxe consigo uma bilha de água fresca. Ao longo de todo
este tempo, o sol pusera-se e o frio da noite viera. O eremita ajudou o
imperador a levar o homem para a cabana, onde o deitaram sobre a cama. Aí, ele
fechou os olhos e adormeceu sossegadamente. O soberano estava esgotado pela
longa jornada que fizera, por caminhar na montanha e cavar o jardim.
Apoiando-se à porta, adormeceu. Por um momento, esqueceu-se de onde estava e o
que ali tinha ido fazer. Quando acordou, olhou para a cama e viu o homem
ferido, que também se perguntava o que fazia ali naquela cabana. Quando este
viu o imperador, olhou-o atentamente nos olhos e disse num murmúrio
dificilmente perceptível: "Por favor, perdoai-me".
"Mas o que fizestes para merecerdes ser perdoado?", perguntou o
soberano.
"Vossa Majestade não me conhece, mas eu vos conheço. Eu fui vosso inimigo
e fiz o voto de me vingar por terdes morto o meu irmão na última guerra e por
terdes se apoderado de todos os meus bens. Quando soube que vínheis sozinho a
esta montanha para vos encontrardes com o eremita, decidi montar-vos uma cilada
e matar-vos. Esperei durante muito tempo, mas vendo que não vínheis, deixei o
meu esconderijo para vos procurar. Foi assim que acabei por dar com os soldados
da vossa guarda que, ao reconhecerem-me, infligiram-me esta ferida. Felizmente,
consegui fugir e correr até aqui. Se não vos tivésseis encontrado, teria, com
certeza, morrido na hora. Eu tinha a intenção de vos matar e vós salvastes-me a
vida! Sinto uma enorme vergonha, mas também um reconhecimento infinito. Se
viver, faço o voto de vos servir até ao meu derradeiro sopro e ordenarei aos
meus filhos e aos meus netos que sigam o meu exemplo. Suplico-vos, Majestade,
concedei-me o vosso perdão!".
O imperador encheu-se de alegria ao ver com que facilidade se havia
reconciliado com um antigo inimigo. Não apenas o perdoou, mas prometeu também
restituir-lhe todos os seus bens e enviar o seu próprio médico e os seus
servidores para se ocuparem dele até se curar completamente. Após ter dado
ordem à sua escolta de reconduzir o homem a sua casa, o imperador regressou
para se encontrar com o eremita. Antes de regressar ao seu palácio, o soberano
desejava, por uma última vez, fazer as três perguntas ao velho homem. Encontrou
o eremita a semear os grãos nas fileiras cavadas na véspera. O velho homem
levantou-se e olhou-o: "Mas já tendes a resposta a essas perguntas".
"Como assim?", disse o imperador intrigado.
"Ontem, se não tivésseis tido piedade da minha velhice e não me tivésseis
ajudado a cavar a terra, teríeis sido atacado por este homem quando
regressásseis. Teríeis então lamentado profundamente não terdes ficado comigo.
Por consequência, o momento mais importante foi o tempo passado a cavar o
jardim, a pessoa mais importante fui eu e a coisa mais importante foi
ajudares-me. Mais tarde, depois da chegada do homem ferido, o momento mais
importante foi aquele que passastes a tratar da ferida, porque se o não tivésseis
feito, ele teria morrido e vós teríeis desperdiçado a ocasião de vos
reconciliar com um inimigo. Do mesmo modo, ele foi a pessoa mais importante, e
cuidar da ferida foi a tarefa mais importante. Lembrai-vos que não existe senão
um único momento importante, que é agora. Este instante presente é o único
momento sobre o qual podemos exercer o nosso magistério. A pessoa mais
importante é sempre a pessoa com a qual se está, aquela que está diante de vós,
porque quem sabe se vireis a estar ocupado com uma outra no futuro? A tarefa
mais importante é fazer feliz a pessoa que está ao vosso lado, porque a procura
da vida é apenas isso”.
Liev Tolstói
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