«Os Ninguéns»
Conto de Eduardo Galeano
256- «OS NINGUÉNS»
As pulgas sonham em comprar um cão, e os ninguéns em deixar
a pobreza;
que em algum dia mágico a sorte chova de repente, que chova a boa
sorte a cântaros;
mas a boa sorte não chove ontem, nem hoje, nem amanhã, nem
nunca,
nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a
chamem
e mesmo que a mão esquerda coce ou se levantem com o pé direito,
ou
comecem o ano mudando de vassoura.
Os ninguéns: os filhos de ninguéns, os donos de nada.
Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida,
fodidos e mal pagos.
Que não são, embora sejam.
Que não falam idioma, falam dialectos.
Que não praticam religiões, praticam superstições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não têm cultura, têm folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na História Universal,
aparecem nas páginas
policiais da imprensa local.
Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.
Eduardo Galeano
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