domingo, 28 de setembro de 2014

OUTROS CONTOS

«O Homem Trocado», por Luís Fernando Veríssimo.

«O Homem Trocado»
Conto de Luís Fernando Veríssimo

282- «O HOMEM TROCADO»

O homem acorda da anestesia e olha em volta. Ainda está na sala de
recuperação. Há uma enfermeira do seu lado. Ele pergunta se foi tudo bem.

- Tudo perfeito - diz a enfermeira, sorrindo.

- Eu estava com medo desta operação...

- Por quê? Não havia risco nenhum.

- Comigo, sempre há risco. Minha vida tem sido uma série de enganos...

E conta que os enganos começaram com seu nascimento. Houve uma troca
de bebês no berçário e ele foi criado até os dez anos por um casal de
orientais, que nunca entenderam o fato de terem um filho claro com olhos
redondos. Descoberto o erro, ele fora viver com seus verdadeiros pais. Ou
com sua verdadeira mãe, pois o pai abandonara a mulher depois que esta não
soubera explicar o nascimento de um bebê chinês.

- E o meu nome? Outro engano.

- Seu nome não é Lírio?

- Era para ser Lauro. Se enganaram no cartório e...

Os enganos se sucediam. Na escola, vivia recebendo castigo pelo que não
fazia. Fizera o vestibular com sucesso, mas não conseguira entrar na
universidade. O computador se enganara, seu nome não apareceu na lista.

- Há anos que a minha conta do telefone vem com cifras incríveis. No mês
passado tive que pagar mais de 3 mil reais.

- O senhor não faz chamadas interurbanas?

- Eu não tenho telefone!

Conhecera sua mulher por engano. Ela o confundira com outro.
Não foram felizes.

- Por quê?

- Ela me enganava.

Fora preso por engano. Várias vezes. Recebia intimações para pagar dívidas
que não fazia. Até tivera uma breve, louca alegria,
quando ouvira o médico dizer:

- O senhor está desenganado.

Mas também fora um engano do médico. Não era tão grave assim. 
Uma simples apendicite.

- Se você diz que a operação foi bem...

A enfermeira parou de sorrir.

- Apendicite? - perguntou, hesitante.

- É. A operação era para tirar o apêndice.

- Não era para trocar de sexo?

Luís Fernando Veríssimo

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