«Fim e Começo»
Do pintor lituano Lasar Segall
FIM E PRINCÍPIO
[Excerto de «A Criação»]
I
FÉ
E perguntais-me vós que ideia eu faço
De Deus na Criação? Sei lá que ideia!
(Invocai-o... Que sombra se incendeia
No vosso olhar de dúvida e cansaço!)
Talvez, ao seu poder, no infindo espaço,
O mundo seja um pó que revolteia;
Talvez esteja neste grão de areia
Que em meu caminho piso e despedaço.
Que ideia fiz de Deus? Sei lá... Nenhuma!
Perguntai vós a um hálito de espuma
O que entende do mar: se o sente e o vê.
Amo-o, pressinto-o: e mais não sei. Quem ama,
Responde, não pergunta. É como a chama:
Sobe, alumia, — sem saber por quê.
II
PÁTRIA
Morria a luz... Na febre e claro ardor
De que saiu a sombra dos meus versos,
Vi a alucinação, — olhos imersos
Em sonhos, névoas, lágrimas de amor.
A minha voz, ao longe e em derredor,
Fundira em coro os ecos mais dispersos;
As nuvens, embalando-se, eram berços
De noturno e profético esplendor.
Ergueu-se, enchendo o céu de encontro ao poente,
uma figura tenebrosa e ardente,
Corpo da torvação crepuscular:
— Sombra da Pátria! — eu disse. E, no seu peito,
Exangue, o Sol é um coração desfeito;
Tristes, seus olhos são a Noite e o Mar!
III
LIBERDADE
E vi também erguer-se, horrenda e estranha,
Uma Árvore de treva e claridade:
Braços de fumo, enchendo a Imensidade;
Raiz de fogo, ardendo na Montanha.
Diz-me a Visão, esfíngica e tamanha:
— "Árvore eu sou; meu nome é Liberdade.
Plantou-me, — a ferro! — a dura humanidade;
Cantando, em sangue e em lágrimas me banha!
Minha sombra de vida, fez-se morte;
Meus frutos são de cinza; o trono forte,
Devera ser de amor, e é de ódio e guerra!
Aspiro à luz, e bebo a escuridão!
Para ser livre, hei de prender-me ao chão:
— E sinto que me foge a própria terra!"
António Correia d'Oliveira
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