quarta-feira, 8 de outubro de 2014

OUTROS CONTOS

«Os Varredores de Rua», por Herta Muller.

No dia 8 de Outubro, o Prémio Nobel da Literatura 2009 é atribuído à romancista alemã de origem romena Herta Muller, autora de «O Homem é Um Grande Faisão Sobre a Terra».
Poet'anarquista
«Os Varredores de Rua»
Varredores de Rua, por Carlos da Silva Prado
(Museu de Arte de São Paulo)

290- «OS VARREDORES DE RUA»

A cidade está impregnada de vazio. Um carro atropela meus olhos com suas luzes. 

O condutor foge, pois não podem me ver na escuridão. 

Os varredores de rua têm trabalho. 

Eles varrem as lâmpadas, varrem as ruas para fora da cidade, varrem o morar das casas, varrem-me os pensamentos da cabeça, varrem-me de uma perna para outra, varrem-me os passos do andar. 

Os varredores de rua enviam-me suas vassouras, suas magras e saltitantes vassouras. Os sapatos batem fora do meu corpo. 

Caminho atrás de mim, caio fora de mim sobre a margem de minhas imaginações. 

O parque late ao meu lado. As corujas comem os beijos que ficaram sobre os bancos. As corujas não dão por minha presença. Os cansados e estafados sonhos acocoram-se nos arbustos. 

As vassouras varrem-me as costas porque me apoio muito na noite. 

Os varredores de rua varrem as estrelas formando uma pilha, varrem-nas sobre suas pás e as esvaziam no canal. 

Um varredor de rua chama um outro varredor, este um outro e este novamente um outro. 

Agora todos os varredores falam e misturam todas as ruas. Caminho através de seus gritos, através da espuma de seus chamados e quebro e caio na profundidade das significações. 

Dou passos grandes. Arranco minhas pernas com o andar. 

O caminho foi varrido para longe. 

As vassouras caem sobre mim. 

Tudo dá voltas sobre si. 

A cidade erra sobre o campo, para algum lugar.

Herta Muller

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