«Máscaras»
Amor de Carnaval, por Bruno Marcello (Bua)
97- «MÁSCARAS»
Arlequim saiu de casa na manhã colorida do sábado, a sua
roupa refulgindo com todas as cores do carnaval. Saiu sozinho, porque assim se
divertia mais; dirigiu-se apressado às ladeiras repletas de frevo. Tinha
pressa, pois sabia que os quatro dias de folia passam rápido, e não queria
perder nada. Gostava das máscaras, que enchiam os olhos de beleza e de alegria.
No caminho esbarrou em um palhaço apagado, mais adequado a
um velório que ao carnaval. Não deu importância e seguiu o seu caminho,
sorrindo diante das fantasias coloridas, olhando com indisfarçado desejo para
as garotas que enchiam de graça as ruas de paralelepípedos, disparando gracejos
a cada passo que dava. Uma delas, mais que as outras, chamou-lhe a atenção: era
jovem, era loira, e olhava para tudo com o olhar deslumbrado de quem se depara
pela primeira vez com um mundo de beleza até então desconhecida.
Arlequim olhou-lhe e sorriu-lhe, e ela percebeu o seu
interesse. Ele aproximou-se, puxou-a e a beijou, como já tinha feito tantas
vezes antes; ela não lhe resistiu. Sem dizer-lhe uma palavra ele foi embora,
deixando a jovem atônita: ela não conseguia entender como era possível ser tão
sem graça a ponto de não merecer nem mesmo um olhar mais demorado. Arlequim não
chegou a perceber a lágrima que escorria do rosto belo de Colombina enquanto
ele seguia as bandas de frevo ladeira acima.
* * *
Pierrot saiu de casa na manhã triste chuvosa do domingo, sua
roupa preta e branca como se fosse um pálido reflexo do dia cinzento. Saiu
sozinho, porque sempre fora diferente dos outros, e não gostava da companhia
dos demais personagens carnavalescos. Dirigiu-se devagar e pesaroso às ladeiras
abarrotadas de ilusões. Não tinha pressa, pois sabia que não encontraria nada
nos quatro dias de festa. Não gostava das máscaras, que eram ilusórias e
escondiam aquilo que as coisas realmente eram.
No caminho viu um palhaço colorido que ensaiava alguns
passos de frevo e atraía a atenção dos foliões que passavam; mas não viu graça.
Seguiu andando, olhando com indisfarçado desinteresse para um lado e para o
outro, sem responder aos sorrisos que, de vez em quando, eram-lhe endereçados.
Encontrou, no entanto, uma garota que lhe chamou a atenção: era jovem, era
loira, e olhava para tudo com o olhar decepcionado de quem percebe, pela
primeira vez, a efemeridade da beleza do mundo.
Pierrot olhou-a e se espantou ao ver que a moça lhe olhava
de volta. Sustentou o olhar apenas por alguns segundos, tempo suficiente para
que o rubor se lhe assomasse às faces pálidas. Sem dizer-lhe uma palavra ele
foi embora, deixando a jovem atônita: ela não conseguia entender como era
possível ser tão sem graça a ponto de não merecer nem mesmo um gracejo de
carnaval. Pierrot, descendo a ladeira sem olhar para trás, não chegou a ver a
lágrima que escorria pelo rosto jovem de Colombina.
* * *
Colombina saiu de casa, e era uma segunda-feira bonita. Saiu
sozinha sem saber o porquê; aproveitava os dias da festa de Momo, sem pressa e
sem tédio. Seu humor oscilava entre o deslumbramento e a decepção: o carnaval
era-lhe uma experiência nova e estranha. Estava ainda se acostumando com as
máscaras.
Passou por algumas esquinas com o pensamento distante; uma
chuva de confete e serpentina impediu-lhe de ver o palhaço colorido, e um bloco
de frevo que passava escondeu-lhe o palhaço preto e branco. Alguns jovens lhe
lançavam sorrisos, e para alguns ela sorria de volta: nenhum deles, no entanto,
prendia-lhe muito a atenção. Era jovem, era loira, e olhava para tudo com o
olhar indeciso de quem não sabe se ama o prazer pelo ímpeto com o qual ele vem
ou se o odeia pela rapidez com a qual ele vai embora.
Colombina irritou-se consigo mesma, com sua própria
inconstância, com sua própria indecisão. E, hoje, não havia ninguém que pudesse
ter visto a lágrima que escorria pelo seu rosto loiro.
* * *
Arlequim, Pierrot e Colombina encontraram-se na terça-feira
gorda. Olharam-se demoradamente.
O sorriso de Arlequim enaltecia o prazer carnavalesco. As
lágrimas de Pierrot lamentavam as ilusões de Momo. O olhar de Colombina,
oscilando entre um e outro, era indeciso: ela não queria os exageros de
Arlequim, nem conseguia a indiferença de Pierrot.
Neste instante, o frevo silenciou. Findara-se o carnaval. O
rosto de Arlequim era somente desespero: se não havia máscaras, não havia mais
nada para ele. O rosto de Pierrot era sereno: ele não se iludira com as
máscaras, chorara a sua quota de lágrimas e, agora, ficava feliz em ver as
coisas face a face. Colombina nem se desesperava nem se alegrava: deixara-se
enganar pelas máscaras, embora não tanto quanto Arlequim, e ainda teria
lágrimas a derramar para limpar os olhos, mas conseguiria enxergar o mundo que
se esconde por debaixo das fantasias.
Pierrot seguiu em frente. Colombina, embora cambaleante,
seguia-lhe à distância. Arlequim ficou no chão, na espera vã de outros
carnavais que lhe devolvessem o sentido da vida, irremediavelmente perdido para
ele, pois sempre esteve escondido sob as máscaras para além das quais ele nunca
conseguiu olhar. E, na manhã da Quarta-Feira de Cinzas, Pierrot esboçava um
sorriso, Colombina derramava lágrimas, e Arlequim chorava amargamente.
Menotti del Picchia
2 comentários:
Belo Del Picchia!
De quem é a pintura?
Boas, Lilian Goulart!
A pintura é do brasileiro Bruno Marcello que assina «Bua».
O lapso já está desfeito na publicação.
Quanto a Del Picchia... sempre belo!
Saudações!
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