«A Mãe Natal»
Mãe e Filho, por Renoir
514- «A MÃE NATAL»
Iria a aldeia de Pouldreuzic encontrar finalmente um pouco
de paz? Há vários lustres que estava dividida por uma oposição entre clericais
e radicais, escola livre dos Irmãos e comuna laica, padre e professor. As
hostilidades que tomavam as cores das estações transformavam-se em iluminura
lendária com as festas do fim de ano. A missa da meia-noite tinha lugar, por
questões práticas, no dia 24 de Dezembro, às seis horas da tarde. À mesma hora,
o professor, mascarado de Pai Natal, distribuía os brinquedos aos alunos da
escola laica. Deste modo, o Pai Natal transformava-se em herói pagão, radical e
anticlerical, e o padre contrapunha-lhe o Menino Jesus do seu presépio vivo —
célebre em toda a região — como quem atira uma mão de água-benta à cara do
Diabo.
Sim, iria Pouldreuzic obter tréguas? É que o professor,
tendo-se reformado, fora substituído por uma professora de fora, e toda a gente
a observava para saber de que estofo era feita. A Senhora Oiselin, mãe de duas
crianças — entre elas um bebé de três meses — era divorciada, o que parecia uma
garantia de fidelidade laica. Mas o partido clerical triunfou desde o primeiro
Domingo, assim que viram a nova instrutora fazer uma entrada muito notada na
igreja.
Os dados estavam lançados. Não haveria mais árvore de Natal
sacrílega à hora da missa da "meia-noite", e o padre seria o mestre e
senhor do terreno. Por isso, foi grande a surpresa quando a Senhora Oiselin
anunciou aos alunos que a tradição não seria alterada, e que o Pai Natal
distribuiria os seus presentes à hora habitual. Que jogo estaria a fazer? E
quem iria fazer de Pai Natal? O correio e o guarda-florestal, em quem todos
tinham pensado devido às suas opiniões socialistas, afirmaram não estar ao
corrente de nada. O espanto atingiu o auge quando se soube que a Senhora
Oiselin emprestaria o seu bebé ao padre para fazer de menino Jesus no seu
presépio vivo.
Ao princípio tudo correu bem. O pequeno Oiselin dormia a
sono solto quando os fiéis desfilaram à frente do presépio, os olhos brilhantes
de curiosidade. O boi e o burro — um verdadeiro boi, um verdadeiro burro —
pareciam enternecidos diante do bebé laico tão miraculosamente metamorfoseado
em Salvador.
Infelizmente, este começou a agitar-se desde o início do
Evangelho, e os seus berros explodiram no momento em que o padre subiu ao
púlpito. Nunca se ouvira uma voz de bebé tão estridente. Foi em vão que a
rapariga que fazia de Virgem Maria o embalou contra o seu magro peito. O
pequerrucho, vermelho de cólera, bracejava e esperneava, fazendo ecoar os seus
gritos furiosos nas abóbadas da igreja, impedindo o padre de proferir uma
palavra.
Finalmente, chamou um dos meninos do coro e deu-lhe uma
ordem ao ouvido. Sem despir as vestes, o rapaz saiu, ouvindo-se o ruído das
galochas afastar-se ao longe.
Alguns minutos mais tarde, a metade clerical da aldeia,
reunida em peso na nave, teve uma visão inusitada que se inscreveu para todo o
sempre na lenda dourada da região. O Pai Natal em pessoa irrompeu pela igreja.
Dirigiu-se a passos largos para o presépio. Depois afastou a barba de algodão
branco, desabotoou o casaco vermelho e estendeu um seio generoso ao Menino
Jesus subitamente apaziguado.
Michel Tournier
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