«Uma verdadeira mãe
ou um caso de adopção canina...»
ou um caso de adopção canina...»
Conto de AC
494- «UMA VERDADEIRA MÃE OU UM CASO DE ADOPÇÃO CANINA…»
Quem não ouviu já contar dezenas de histórias sobre factos
quase inverosímeis passados com animais que, muitas vezes, em atitudes de
grande altruísmo, superam o comportamento dos humanos (infelizmente muitos
destes nunca aprenderam o sentido dessa palavra com nobre significado).
Pois esta é uma dessas estórias, entre tantas outras que se
contam, com a particularidade de ser verdadeira e de nos dar uma lição de
grande amor maternal – que também existe entre os animais, embora muitos
insistam que se trata de mero instinto, esse enlevo de sentimento que nos
admira e comove.
Faz muitos anos, um meu vizinho era dono de dois cães
rafeiros que lhe guardavam a casa e uma quinta de dia e de noite.
O cão chamava-lhe Jack e a cadela que tratava por Mina.
O Jack já era entrado na idade e a cadela Mina ainda quase
cachorra, não se entendiam de modo algum, sendo as desavenças exacerbadas à
hora a que a comida caía nos pratos; os rosnares e lances de olhar de
desconfiança eram mútuos, aplicando-se-lhes, no caso em questão, o velho
ditado: “o que é do meu vizinho é sempre melhor do que o que é meu”.
As meças de patas por vezes terminavam em ferozes brigas com
encontrões e algumas dentadas pelo meio, apenas tendo fim com a intervenção de
uma mangueira que o dono também utilizava para regar a horta.
Mas bastava a mais pequena lufada de ar fresco,
transportando algumas moléculas anunciadoras do cio da Mina, estimular as
ventas do Jack, aí se metamorfoseava ele no cão mais dócil e meigo…, o
constante companheiro…, um “eterno” e galante namorado. A comida e a água
ficavam nos pratos, pois, ao bom do Jack, as vinte e quatro horas do dia não
chegavam para cumprir os rituais da corte, quanto mais para ter tempo para se
alimentar.
Uma vez ainda conseguiu traduzir a sua prole em seis lindos
cachorrinhos que a Mina pariu num tórrido dia de Agosto. Não cheguei a vê-los
crescer, pois o dono foi dando um a um, a vizinhos e amigos de outras quintas.
Não mais o Jack se multiplicou, pois a velhice canina também
não perdoa e os galanteios e ladradelas de amor ficaram por isso mesmo: uns
encostos de cabeça e umas quantas tentativas frustradas de se suster nas patas
traseiras sobre o dorso da Mina. E assim…, já em idade muito avançada o Jack
entregou-se nas mãos do criador de todos os cães.
Apesar dos desentendimentos frequentes, a cadela Mina soube
o significado da palavra solidão (canina). Era vista ora farejando os carreiros
da quinta, onde ainda estava activo o cheiro do seu companheiro, ora estando
deitada junto à casota que pertencera ao Jack, com olhar triste e taciturno.
Mas um belo dia, para minha surpresa, vi chegar uma carrinha
que estacionou junto ao portão da quinta e de onde foi tirada uma caixa que
transportava um cachorrinho com focinho de tenra idade e olhar desconfiado,
tremelicando desde as orelhas, por sinal bem bonitas e vistosas, até à ponta do
rabo que era branca. Simpatizei de imediato com o pequeno bicho, pensando logo
de seguida para com os meus botões: -pobre cachorrinho… vais ter uma dura prova
de vida na companhia da cadela Mina – sabendo eu da sua irascibilidade e mau
génio para com o velho Jack. Nesse dia não vi mais o novo inquilino da quinta,
pois o meu vizinho pô-lo a recato dentro da habitação, receoso, com certeza, de
uma reacção perigosa da Mina. Esta, durante o resto do dia e pela noite fora,
não arredou pé da porta da casa, que foi farejada com insistência e obstinação
nas mais pequenas frestas onde podia encostar as narinas.
Na manhã seguinte acordei tarde, pois tinha estado entretido
até altas horas, ora a ler, ora a espreitar os movimentos da cadela no pátio da
casa, que se avistava nitidamente da janela do meu quarto, ainda por cima
iluminado aquele por um forte luar, manifestando a Mina forte desassossego,
pois cheirava a presença do cachorrinho dentro de casa. Assim, os meus
primeiros movimentos, ainda debaixo do efeito do final do sono, foram para me
dirigir ao posto de observação dos meus aposentos, confesso que impelido pela
curiosidade de saber notícias do pequeno cachorro, do qual ainda nem sabia o
nome, ou sequer se o tinha.
Digo-vos, custou-me perceber o que os meus olhos, ainda
ensonados, viram: o dono da quinta já tinha substituído o nome do Jack numa das
casotas de madeira, onde podia ler-se agora o nome de Faísca.
A cadela Mina lá estava deitada sob a sombra da alpendorada
do pátio… e debruçado sobre a sua barriga chupava deliciado o pequeno Faísca!
AC
AC
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