Rocha da Mina
Depois da Intervenção de Julho de 2011
Manuel Calado e a Rocha da Mina
«Por Terras do Endovélico/ 2010»
Manuel Calado e a Rocha da Mina, Equinócio de 2006, como o próprio refere no final do texto. Levantem-se então os Deuses!
ENDOVÉLICO
- UM DEUS LUSITANO
Rocha da Mina: Entre a Montanha e o Abismo
Por Manuel Calado
Por Manuel Calado
O
sítio arqueológico da Rocha da Mina é um monumento, um lugar de memória; nesse
sentido, insere-se na categoria dos sítios arqueológicos cuja presença, mesmo
que muito diminuída em relação ao original, suscita, ainda hoje, leituras
complexas e provoca, no espectador, sensações fortes. Faz parte daquela
categoria de obras humanas, que, tal como os monumentos megalíticos, parecem
ter sido criadas para isso mesmo. São construções que proclamam, de forma
inequívoca, ideias e valores fundamentais. São, em suma, santuários, lugares
que, se abstrairmos dos nossos espartilhos racionalizantes, sugerem hierofanias
e evocam mistérios.
A comparação com os megálitos - antas ou menires - ou com a
arte rupestre é, sem dúvida, sugestiva. Têm em comum, antes de mais, o uso da
pedra como elemento estruturante e primordial: a pedra como símbolo de
eternidade, o material que, por natureza, transcende o tempo humano. A pedra
rude, que liga, como a água, o mundo oculto das profundezas ao mundo dos
homens.
Na verdade - e, até certo ponto, o megalitismo e a arte
rupestre partilham também esta característica - mais do que o agenciamento
humano, é a própria paisagem natural que dá corpo ao monumento. O homem não fez
mais do que reconhecer essa paisagem e, de formas diversas, potenciá-la.
Na Rocha da Mina é possível, à partida, identificar algumas das linhas de força
que, de modo mais ou menos consciente, estruturaram um discurso religioso.
Por um lado, a dialéctica entre o Céu e a Terra: de facto, o
monumento localiza-se numa depressão natural, junto ao rio - situação que
implica sempre as cotas mais baixas de uma determinada área - e rodeado de
cabeços mais elevados que o ocultam, na paisagem envolvente. Por outro lado, os
rochedos sobre os quais se construiu o santuário propriamente dito, parecem
emergir das profundezas e erguer-se, na vertical, como dedos apontados ao céu.
Note-se que a ligação simbólica ao mundo subterrâneo,
remete, aparentemente, para a própria origem telúrica do deus Endovélico,
manifesta na expressão ad avernum , referenciada numa das lápides dedicadas a
essa divindade, em época romana.
Esse carácter telúrico é reforçado pela presença de um pego,
junto ao rochedo, onde, segundo as crenças populares, existiria uma passagem
subaquática para uma cavidade subterrânea.
As próprias estruturas construídas - as que hoje podem ainda
ser apreciadas - indicam as duas direcções fundamentais: o lance de escadas,
apontado ao Céu e ao topo da serra d'Ossa, o único troço do horizonte distante,
visível a partir da Rocha da Mina, e o poço, penetrando no interior do rochedo
e eventualmente relacionado com a prática da incubatio , sugerida pela
interpretação de algumas epígrafes recolhidas no santuário romano de
Endovélico.
O santuário parece, de certa forma, constituir, metaforicamente,
uma ponte entre o Céu e a Terra, entre o telúrico e o ctónico ou, noutra
perspectiva, uma síntese entre os menires - virados ao Céu - e as antas ou as
grutas, naturais ou artificiais, dirigidas ao mundo inferior. Um outro elemento
que parece dar continuidade aos preceitos rituais da arte rupestre é
precisamente a curva do rio que rodeia, em ferradura, o santuário.
Efectivamente, o mesmo tipo de escolha está claramente
patente, na região centro-alentejana, no complexo rupestre do Alqueva, cujas
gravuras mais antigas remontam ao Paleolítico superior: a maior concentração de
gravuras surge junto à curva mais acentuada do Guadiana, uma área que, no lado
português, é designada como Moinho da Volta, enquanto o segundo maior conjunto
se localiza precisamente na segunda curva mais apertada, significativamente
denominada, na toponímia local, como Retorta.
Um fenómeno semelhante ocorre, por exemplo, noutras áreas da
Europa atlântica, com importantes manifestações de megalitismo e arte rupestre,
com um destaque particular para o complexo megalítico de Bru Na Boyne (a Curva
do Boyne), na Irlanda, onde se localiza o famoso monumento de Newgrange.
Esta tensão entre a água e as rochas está igualmente
evidente, noutras modalidades, no complexo rupestre do Tejo, em que a paisagem
é fortemente marcada pelas Portas do Ródão, assim como no conjunto de arte
rupestre do Baixo Guadiana, junto do Pulo do Lobo, ou ainda na própria arte do
Côa, localizada num contexto geográfico muito característico, em que o rio
entalhou profundas gargantas, como, por exemplo, a Canada do Inferno.
As comparações entre a Rocha da Mina e a arte rupestre ou o
megalitismo não implicam, necessariamente, qualquer vínculo de natureza
histórica, traduzido na perenidade, ao longo de milhares de anos, de ideias e
crenças; sem excluir este tipo de ligações, para mais num contexto de manifesta
continuidade demográfica, em que os substratos culturais, mesmo que em mudança,
mantêm vínculos e memórias, podemos, em alternativa, estar perante fenómenos de
índole antropológica, nomeadamente a forma como, em contexto culturais
absolutamente diferentes, se forjaram geografias sagradas semelhantes.
A Rocha da Mina está cheia de mistérios. Do ponto de vista
estritamente arqueológico, falta saber, por exemplo, em que época foi
construído o santuário, de que forma funcionou e se relacionou com os outros
sítios arqueológicos, conhecidos nas redondezas, nomeadamente com o santuário
romano de S. Miguel da Mota. Por outro lado, não deixa de causar alguma
estranheza o isolamento da Rocha da Mina, a Sul do Tejo, sendo certo que, mais
a Norte, se conhecem bastantes exemplares da mesma família.
Estas e outras perguntas aguardam impacientemente o arranque
das investigações na Rocha da Mina que é, sem dúvida, um dos pontos altos da
arqueologia regional. Entretanto, as ruínas do santuário continuarão a
despoletar a imaginação e o sonho, recuperando, em cada novo romance, um lugar
na nossa memória colectiva.
Levantem-se os Deuses!
Laranjal, no Equinócio de 2006
2 comentários:
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«Azeitão A Nossa Terra»
Desculpe a invasão de seu espaço.
Vi seu blog e as imagens das escavações na Rocha da Minha no Alandroal.
Sou Monitor de Património e História em colaboração com o Museu Sebastião da Gama, em Azeitão.
Seria possível contar com sua colaboração numa visita que faríamos ao local ? Seria por nossa conta as despesas que houvesse, mas, seria muito bom o acompanhamento de alguém que fosse conhecedor do local, como parece ser.
Atenciosamente,
Joaquim Oliveira
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Resposta a «Azeitão A Nossa Terra»
Caro Monitor:
De forma alguma considero invasão o meu espaço, ele é de todos os «Amigos d'Arte» como consta no cabeçalho do blogue Poet'anarquista.
Quanto à possibilidade de contar com colaboração para uma visita guiada, penso que veio bater a boa porta. Não por mim, embora com muito respeito e gosto pelo Património Histórico, mas sim pela minha companheira arqueóloga que está neste momento a fazer o trabalho de revisão da carta arqueológica do concelho de Alandroal. Foi ela, juntamente com um colega de Redondo, que fizeram uma intervenção na Rocha da Mina, o ano que passou.
Teremos muito gosto em partilhar convosco o nosso riquíssimo património histórico através de uma visita guiada, e sem custos acrescidos por esse facto.
Saudações,
Carlos Camões Galhardas
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