46- «BREVE CONTO DE NATAL»
A cidade adormece num cenário quase rotineiro.
Quase..., porque esta noite instalou-se um frio de rachar, que penetra
impiedosamente quem o enfrenta.
Só este componente atmosférico desagradável diferencia esta noite da anterior e
de muitas noites antes desta, que foram metodicamente iguais.
Nos locais habituais onde as estrelas são visíveis com um simples arremelgar ou
onde o vento se faz sentir, endiabrado, sem outra sorte que não seja
suportá-lo, os mesmos vultos, sem nome e sem destino, acomodam-se o melhor que
podem, com a esperança irrisória de que mais uma noite passe.
Tento afastar-me, abafado no calor aconchegante do meu sobretudo de burguês,
fugir a sete pés daquele local habitual onde “descansam” vultos humanos sob
pilhas de cartão prensado.
Um grupo de crianças soa a alguma distância com a alegria estampada nas vozes
que procuram afinar a canção: –é Natal, é Natal, já nasceu Jesus...
Um dos vultos, sob a amálgama de cartão prensado, pragueja em réplica à
melodia: «é Natal o caraças...», e desfila um chorrilho de obscenidades
irrepetíveis. O ar fica empestado com um cheiro pouco recomendável, apesar da
aragem fria se renovar constantemente.
Assustado..., fujo a sete pés daquele local habitual onde não é Natal.
Luís Galhardas
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