«Caro Sr. Orwell»
Carta de Aldous Huxley a George Orwell
336- «Caro Sr. Orwell»
Foi muito gentil da sua parte solicitar aos seus editores
que me enviassem uma cópia da sua obra. Ela foi entregue conforme solicitado
enquanto eu estava no meio de um trabalho que requeria muita leitura e
constantes consultas de referências de minha parte; e devido à minha visão
prejudicada, vejo-me na necessidade de racionar meus momentos de leitura. Foi
necessário aguardar um longo período para que eu pudesse embarcar em «1984».
Concordando com o que todos os críticos expressaram até ao
momento, eu não preciso dizer, mais uma vez, o quão excelente e profundamente
importante esse livro é. Permita-me então, falar a respeito do assunto que
permeia a sua obra – a última grande revolução? As primeiras dicas de uma
filosofia da última grande revolução – a revolução que vai além do político e
do económico, e que busca a total subversão da psicologia e fisiologia
individual – podem ser encontradas nas obras do Marquês de Sade, que se via
como um continuador, um consumador, de Robespierre e Babeuf. A filosofia da
dominação da minoria em «1984» é de um sadismo que se carrega além da
sua conclusão lógica indo além do sexo e, inclusive, o negando. Porém, uma
política de botas-na-cara da população se manter indefinidamente parece
duvidável. Minha crença pessoal é de que um governo oligarquista irá encontrar
maneiras mais fáceis e de menos gastos de continuar no poder e satisfazer sua
sede de poder, e que essas maneiras irão se parecer mais como as que descrevi
em «Admirável Mundo Novo». Ocasionalmente e recentemente, me encontro pesquisando
a respeito do magnetismo e hipnotismo animal, e, em mais de uma ocasião, me
encontro surpreso por, em mais de cento e cinquenta anos, o mundo se recusa a
reconhecer a seriedade das descobertas feitas por Mesner, Braid, Esdaille e
tantos outros.
Em parte devido ao materialismo predominante e em parte
devido ao crescente respeito pelos direitos humanos, os filósofos e homens da
ciência do século dezanove não estão inclinados a investigar os estranhos fatos
da psicologia para homens como políticos, soldados e policias e aplicá-los no
campo do governo. Graças a ignorância involuntária do nosso país, os adventos
da última grande revolução foram atrasados por mais cinco ou seis gerações.
Outro incidente de sorte foi a inabilidade de Freud a hipnotizar pacientes com
sucesso e sua subsequente desistência da prática. Isso atrasou a aplicação do
hipnotismo em terapias por mais alguns quarenta anos. Mas agora, psico-análises
estão sendo combinadas novamente com hipnotismo; e a hipnose agora foi
facilitada através do uso de substâncias que induzem o estado hipnótico e
sugestivo aos mais tolerantes pacientes.
Dentro das próximas gerações, acredito que os governantes
mundiais irão descobrir que condicionamento infantil e narco-hipnose são mais
eficientes, como instrumentos de opressão, do que prisões e centros de
tratamento, e que essa busca por poder pode ser satisfeita ao sugestionar a
população a amar sua servitude ao invés de espancá-las e chutá-las à
obediência. Em outras palavras, eu sinto que o pesadelo de «1984» está
destinado a ser modulado ao pesadelo de um mundo que se assemelha ao que eu
imaginei em «Admirável Mundo Novo». Essa mudança irá ocorrer pela
necessidade do governo de um modelo mais eficiente. Ao mesmo tempo, é claro, é
possível a existência de uma guerra em larga escala de frentes biológicas e atómicas
– que no caso, nos tratam pesadelos de outros e ainda não imaginados tipos.
Agradeço novamente pelo livro.
Sinceramente,
Aldous Huxley
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