«A Famosa Rã Saltadora do Condado de Calaveras»
Poet'anarquista
344- «A FAMOSA RÃ SALTADORA DO CONDADO DE CALAVERAS»
A pedido de um amigo que me escreveu do leste, procurei o
velho tagarela Simon Wheeler, para me informar sobre alguém chamado Leônidas W.
Smiley. Eis o resultado: concluí que o tal Leônidas W. Smiley não existia e que
o meu amigo jamais havia conhecido tal pessoa. Ele apenas imaginou uma
armadilha para que o velho Wheeler se lembrasse do nome do notável Jim Smiley,
prevendo então que despencaria em cima de mim longas e entediantes histórias.
Se foi sua intenção, acertou.
Encontrei Simon Wheeler cochilando junto ao aquecedor da
velha taverna no decadente acampamento dos mineiros de Angel. Era gordo e
careca, com um sorriso desenhado no semblante tranquilo. Acordou me dando um
bom dia. Então perguntei a ele sobre Leônidas W. Smiley, um reverendo e jovem
ministro evangelista, que, segundo informações, havia residido no acampamento.
Acrescentei ainda, ser muito importante para mim qualquer informação sobre ele.
Simon Wheeler arrastou uma cadeira para o lado da sua e me
fez sentar. Iniciou então a sua monótona narrativa. Nenhuma vez sorriu ou
franziu o cenho ou alterou a voz. Falou fluentemente, sempre gentil mas sem
nenhum entusiasmo ou emoção. Durante toda a narrativa falou com franqueza e
coração aberto, sem deixar vazar qualquer sentido de reprovação em qualquer das
histórias sobre seus amigos, demonstrando claramente um grande respeito por
eles, elevando-os à condição de gênios. Por mim, deixei que contasse toda a
história sem interferir em nada.
“Reverendo Leónidas W. hum, reverendo Le… – bem, tinha um
por aqui que atendia pelo nome de Jim Smiley no inverno de 49, talvez na
primavera de 50, não me lembro bem, mas o que me fez pensar que era um ou outro
é por me lembrar que o grande canal não estava ainda terminado quando ele
chegou no acampamento; mas era um homem dos mais diferentes que já vi, sempre
disposto a apostar em qualquer coisa, se conseguisse alguém para apostar
contra; e se ninguém estivesse contra, ele ficava a favor. O que ele queria
mesmo era apostar. E o incrível era sua sorte, porque mesmo assim ele quase
sempre estava ganhando; sempre na espreita, esperando aparecer um motivo para
jogar, e como lhe contei, não importava muito para que lado ele estava; nas
corridas de cavalos, terminava sempre cheio do dinheiro ou completamente duro.
Se tivesse uma briga de cachorros, lá ia ele; de gatos, apostava; de galinhas,
também! Amigo, se tivesse dois passarinhos pousados na cerca, queria apostar
qual voaria primeiro. Até às reuniões evangélicas ele ia pensando em apostar no
pastor Walker, por ser ele o melhor pregador da região. Se visse uma lagarta
indo para algum lugar, ia querer apostar com você quanto tempo ela levaria para
chegar no seu destino, e se dispunha a seguir o bicho até o México, se fosse o
caso, para saber o tempo que levou para chegar. Muitos aqui conheceram o Smiley
e podem contar muitas coisas sobre ele. Amigo, não fazia diferença para ele –
apostava em qualquer coisa o filho da puta. Quando a mulher do pastor Walker
ficou doente, parecia que ia morrer, pois ficou assim muito tempo; numa manhã,
dando com o pastor, o Smiley perguntou como ela estava e ele disse que ela
estava melhorando – graças ao Senhor e sua infinita misericórdia – e com a bênção
divina, logo estará completamente sarada. E o Smiley, disse em seguida: ‘Bem,
eu arrisco dois dólares e meio como ela não vai ficar’.”
“Esse tal Smiley tinha uma égua – que os meninos apelidaram
de ‘justos 15 minutos’, mas era só uma gozação, porque, você sabe, ela corria
mais do que isso, – e ele costumava ganhar dinheiro com ela; bem, ela era lenta
mesmo, tinha asma, diarreia, tuberculose, sei lá o que mais. Todos costumavam
levar uma vantagem e ficar na frente pelo caminho, mas sempre no final da
corrida a égua ficava excitada, meio desesperada, e disparava dando saltos e
coices para todos os lados, levantando mais poeira do que um vendaval, e
acabava sempre por passar a linha de chegada pelo menos um nariz à frente dos
outros.”
“Ele tinha, também, um buldogue, pequeno, pelo qual ninguém
lhe daria um centavo, parecia um vira-lata que só servia para roubar a comida
dos menos avisados. Mas era só ouvir o tinir das moedas e o Smiley colocá-lo na
rinha, que ele se transformava e ia direto morder as patas traseiras dos
adversários e ficava agarrado ali, não mastigava, se me entende, só ficava
agarrado até o dono do outro cachorro jogar a toalha, mesmo que demorasse um
ano. Smiley sempre ganhou dinheiro com o cachorrinho, até o dia em que
encontraram um cachorro que não tinha as pernas traseiras, amputadas por uma
serra circular, e quando a briga já estava adiantada e o dinheiro casado é que
se viu onde eles tinham se metido; o outro cachorro tinha tudo ao seu gosto e o
cachorrinho, assustado e sem poder agir, acabou sofrendo muito com as mordidas
do outro cão, que não tinha as pernas de trás. Olhou para Smiley com tristeza
como a recriminá-lo por colocá-lo para lutar com um cachorro que não tinha as
patas traseiras, exatamente onde sempre se agarrava tenazmente, deitou e
morreu. Era um bom cachorro, Andrew Jackson era o seu nome, e ficaria famoso se
tivesse vivido mais tempo, porque era gênio. Nem é preciso reforçar essa ideia,
porque as lutas que fizera anteriormente demonstrava o seu talento. Sempre fico
triste quando penso na última luta e como terminou.”
“Bem, Smiley tinha uns cãezinhos da raça terrier para caçar
ratos, galos de briga e gatos selvagens, e tantos outros animais que você não
pode imaginar o que ele não tinha para competir numa aposta. Um dia ele
arranjou uma rã, levou-a para casa, disse que iria treiná-la e não fez outra
coisa senão ensinar aquela rã a saltar pelo seu jardim. E pode apostar que ele
ensinou. Bastava dar um toque no traseiro dela e você via aquela rã rodando
pelo ar, como uma panqueca, podia vê-la dar saltos mortais, girar, e cair com
as quatro patas, como um gato. Também a treinou para pegar moscas, forçando que
ela praticasse com tal exagero que pegava as moscas à distância, com a maior
facilidade. Smiley insistia em dizer que se podia ensinar qualquer coisa para
uma rã que ela aprenderia e eu acredito nisso. Meu amigo, eu vi ele colocar
Daniel Webster no chão – Daniel Webster era o nome da rã – e atiçar: ‘Moscas,
Daniel, moscas!’, e no mesmo instante, mal dava para ver, ela já tinha pulado
para cima do balcão, engolido a mosca, e voltado para a sua posição, já coçando
a cabeça com uma das patas traseiras, como se aquilo fosse a coisa mais natural
do mundo para uma rã fazer. Em lugar nenhum você podia encontrar uma rã tão
simples e modesta, apesar do seu talento. Saltar num terreno plano, então, ia
mais longe do que qualquer outro animal da sua espécie. Smiley apostaria todo
seu dinheiro no salto da sua rã. Ele tinha muito orgulho da sua rã, e podia
mesmo ter porque pessoas que haviam viajado pelo mundo estavam de acordo que
jamais haviam visto outra igual.”
“Bem, Smiley deixava a rã numa pequena gaiola, onde, de
quando em vez, levava à cidade para apostar. Certo dia, um sujeito –
desconhecido no acampamento – viu Smiley levando a gaiola e perguntou:
“‘O que leva aí nessa gaiola?'”
“Smiley respondeu, fingindo indiferença: ‘Podia ser um
periquito ou um canário, mas não é não… é uma rã’.”
“O estranho pegou a gaiola, examinou-a com cuidado de um
lado ao outro e falou: ‘Está certo, parece que é. E para que serve?'”
“‘Bem’, disse Smiley, calmamente. ‘Ela é muito boa em saltos
– salta mais alto do que qualquer outra rã no Condado de Calaveras’.”
“O estranho pegou a gaiola de novo e examinou a rã
novamente, depois a devolveu para Smiley, com expressão de dúvida: ‘Pelo que
vejo essa rã parece igual a todas as rãs’.”
“ ‘Talvez você não veja,’ disse Smiley. ‘Talvez você entenda
de rã, talvez não; talvez até você seja um especialista, talvez um amador. De
qualquer jeito eu tenho a minha opinião e estou disposto a bancar 40 dólares
que ela é capaz de saltar mais alto do que qualquer outra rã no condado de
Calaveras’.”
“O estranho pensou a respeito e disse, com tristeza: ‘Bem,
não sou daqui e não tenho uma rã, senão eu apostava’.
“Então Smiley propôs: ‘Tudo bem, tudo bem, você segura minha
gaiola que vou arranjar uma rã para você.’ Na hora o estranho casou os seus 40
dólares e ficou esperando por Smiley.”
“Sentado ali um bom tempo, o estranho começou a matutar
consigo mesmo e resolveu aproveitar a chance que lhe era oferecida. Sacou a rã
da gaiola apertando-a até que abrisse a boca, então recolheu à mão-cheia um
punhado de chumbo de caça que enfiou pela boca adentro da rã. Em seguida
colocou o animal no chão, que ali ficou estático. Enquanto isso Smiley
procurava junto ao brejo uma rã, para que o estranho pudesse apostar.
Finalmente conseguiu, levou-a ao estranho, dizendo: ‘Agora, se você está
pronto, coloque a sua rã junto ao Daniel, com as patas alinhadas que eu vou dar
o sinal. E disse: ‘Um… dois… e… já!’ Cada apostador deu o seu toque por trás da
sua rã, mas, enquanto a rã do brejo dava um salto para valer, Daniel apenas
levantou os ombros – assim como fazem os franceses – sem conseguir se mover.
Ficou plantado como uma igreja; era como se estivesse ancorado. Isso deixou
Smiley intrigado e aborrecido, mas não podia imaginar o que estava acontecendo,
é claro.”
“O estranho pegou o dinheiro e foi embora feliz, fazendo um
sinal de positivo com o polegar. Mais adiante se voltou: ‘Bem’ – repetiu ele.
‘Não vejo nada nessa rã que a faça melhor que as outras’.”
“Smiley coçou a cabeça, procurando uma explicação para o
acontecido, olhando Daniel e resmungou: ‘Eu me pergunto o que fez esse animal
desistir. Que será que deu nela? O certo é que ela realmente está com um
aspecto diferente, parecendo um saco de batatas’. Quando levantou Daniel logo
percebeu o excesso de peso: ‘Opa, ela deve estar pesando mais de 5 libras!’ –
exclamou, enquanto virava a rã de cabeça para baixo, e viu ela arrotar
espalhando um bom punhado de chumbo de caça. Entendendo o que havia acontecido,
ele partiu atrás do estranho disposto a tudo, mas não conseguiu encontrá-lo…”
Nesse momento do relato, Simon Wheeler ouviu alguém chamar
seu nome lá de fora e se levantou para ver do que se tratava. Afastou-se
dizendo: “Oh, amigo, fique onde está que volto num segundo.”
Mas vocês me perdoem, porque achei que as histórias que
Simon me contava desse Jim Smiley nada tinha a ver com o reverendo Leônidas W.
Smiley, nem me traria informações sobre ele, por isso me levantei para sair.
Na porta, Wheeler, o falante, voltava e me segurou pelo
casaco, querendo continuar a contar os casos:
“Bem, esse tal Smiley tinha uma vaca caolha e sem rabo… só
um coto, como uma banana…”
Mas aleguei falta de tempo, para não dizer de vontade, e não
esperei para ouvir a respeito da pobre vaca e fui embora.
Mark Twain
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