O poeta e dramaturgo Nazim Hikmet Ran, ou simplesmente Nazim Hikmet, nasceu em Salónica, Império Otomano (actual Grécia), a 20 de Novembro de 1902. Ficou conhecido na Europa como o melhor poeta de vanguarda da Turquia, e viu os seus poemas traduzidos para diversas línguas - incluindo a língua portuguesa. Nazim Hikmet faleceu em Moscovo, a 3 de Junho de 1963.
Poet'anarquista
Nazim Hikmet
Poeta e Dramaturgo Turco
AUTOBIOGRAFIA
Nasci em 1902
E, nunca tendo voltado a minha terra natal –
Não gosto de olhar para trás –,
Aos três anos, em Alepo, fui um neto de Pashá.
Em Moscovo, aos dezanove, era estudante da Universidade
Comunista de Moscovo.
E aos quarenta e nove, eu voltava, convidado do partido.
E fui poeta desde os catorze.
Há quem saiba tudo sobre plantas, peixes,
Eu, sobre separação.
Há quem saiba os nomes das estrelas todas,
Eu recito ausências.
Andei dormindo em prisões e em grandes hotéis.
Conheci a fome e até mesmo a greve de fome, e não
há nada de que não provei.
Aos trinta e seis, habitei quatro metros quadrados, ano e
meio,
Aos cinquenta e nove, voei de Praga a Havana por dezoito
horas.
Sem ter visto Lenine, vi seu túmulo em vinte e quatro.
Em sessenta e um, eu o visito em seus livros.
Tentaram me afastar do meu partido, não deu certo.
Mas não me esmagaram os astros decadentes.
Em cinquenta e um, naveguei, junto a um jovem amigo, o
dente da morte.
Em cinquenta e dois, passei quatro meses paralisado por um
coração partido esperando a morte.
Tinha ciúmes das mulheres que amava,
Não invejo Charles Chaplin nem um pouco,
Decepcionei-as,
Mas não falei dos meus amigos pelas costas.
Bebi, nem todo dia,
E, que bom, ganhei o pão honestamente.
A alguns menti sem embaraço,
Menti pra não ferir,
Menti, também, só por mentir.
E andei em trens e aviões em que ninguém andava.
...E fui à ópera
A maior parte das pessoas nem ouviu falar de ópera,
E, desde os vinte e um, não tenho ido aos lugares aonde elas
vão,
Mesquitas e igrejas, templos, sinagogas, feiticeiros.
Mas leram-me o café.
Meus escritos foram publicados em trinta ou quarenta línguas
E banidos da minha Turquia, de meu turco.
Ainda não tive câncer,
Nada indica que terei.
E nunca serei um primeiro ministro ou algo assim,
Nem o desejei.
Também não fui mandado à guerra,
Não cavei abrigos no fundo da noite,
E nunca tive que chegar à terra em aviões de mergulho,
Mas me apaixonei aos quase sessenta.
Em suma, amigos,
Mesmo que eu esteja hoje, em Berlim, me esvaindo de
tristeza,
Posso dizer que vivi como um ser humano,
E quem sabe
Quanto tempo ainda...
E o que me acontecerá ainda...
Nazim Hikmet
A MENINA
Sou eu que bato às portas,
às portas, umas após outras.
Sou invisível aos vossos olhos.
Os mortos são invisíveis.
Morta em Hiroxima
há mais de dez anos,
sou uma menina de sete anos.
As crianças mortas não crescem.
Primeiro arderam os meus cabelos,
também os olhos arderam, ficaram calcinados.
Num instante fiquei reduzida a um punhado de cinzas
que se espalharam ao vento.
No que diz respeito a mim,
nada vos imploro:
não podia comer, nem sequer bombons,
a criança que ardeu como papel.
Bato à vossa porta, tio, tia:
uma assinatura. Não matem as crianças
e deixem-nas também comer bombons.
Nazim Hikmet
«AO PARTIR»
Ao partir, ficam-me coisas por acabar,
ao partir.
Salvei a gazela da mão do caçador
mas continuou desmaiada, sem recuperar os sentidos.
Colhi a laranja do ramo,
Mas não consegui tirar-lhe a casca.
Reuni-me com as estrelas,
mas não as consegui contar.
Tirei a água do poço
mas não pude servi-la nos copos.
Coloquei as rosas na bandeja,
mas não pude esculpir as taças de pedra.
Não saciei os meus amores.
Ao partir, ficam-me coisas por acabar,
ao partir.
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