sábado, 8 de novembro de 2014

OUTROS CONTOS

«O Noivado do Sepulcro», conto poético por Soares de Passos.

«O Noivado do Sepulcro»
Conto Poético de Soares de Passos

321- «O NOIVADO DO SEPULCRO»

Vai alta a lua! na mansão da morte
Já meia-noite com vagar soou;
Que paz tranquila; dos vaivéns da sorte
Só tem descanso quem ali baixou. 

Que paz tranquila!... mas eis longe, ao longe
Funérea campa com fragor rangeu;
Branco fantasma semelhante a um monge,
Dentre os sepulcros a cabeça ergueu. 

Ergueu-se, ergueu-se!... na amplidão celeste
Campeia a lua com sinistra luz;
O vento geme no feral cipreste,
O mocho pia na marmórea cruz. 

Ergueu-se, ergueu-se!... com sombrio espanto
Olhou em roda... não achou ninguém...
Por entre as campas, arrastando o manto,
Com lentos passos caminhou além. 

Chegando perto duma cruz alçada,
Que entre os ciprestes alvejava ao fim,
Parou, sentou-se com a voz magoada
Os ecos tristes acordou assim: 

«Mulher formosa, que adorei na vida,
E que na tumba não cessei de amar,
Por que atraiçoas, desleal, mentida,
O amor eterno que te ouvi jurar? 

Amor! engano que na campa finda,
Que a morte despe da ilusão falaz:
Quem dentre os vivos se lembrara ainda
Do pobre morto que na terra jaz? 

Abandonado neste chão repousa
Há já três dias, e não vens aqui...
Ai, quão pesada me tem sido a lousa
Sobre este peito que bateu por ti! 

Ai qão pesada me tem sido!» e em meio
A fronte exausta lhe pendeu na mão,
E entre soluços arrancou do seio
Fundo suspiro de cruel paixão. 

«Talvez que rindo dos protestos nossos,
Gozes com outro d'infernal prazer;
E o olvido cobrirá meus ossos
Na fria terra sem vingança ter!» 

«Ó nunca, nunca!» de saudade infinita,
Responde um eco suspirando além...
«Ó nunca, nunca!» repetiu ainda
Formosa virgem que em seus braços tem. 

Cobrem-lhe as formas divinais, airosas.
Longas roupagens de nevado cor;
Singela c'roa de virgíneas rosas
Lhe cerca a fronte dum mortal palor. 

«Não, não perdeste meu amor jurado:
Vês este peito? reina a morte aqui...
É já sem forças, ai de mim, gelado,
Mas ainda pulsa com amor por ti. 

Feliz que pude acompanhar-te ao fundo
Da sepultura, sucumbindo à dor:
Deixei a vida... que importava o mundo,
O mundo em trevas sem a luz do amor? 

Saudosa ao longe vês no céu a lua?»
«Ó vejo sim... recordação fatal»
Foi à luz dela que jurei ser tua
Durante a vida, e na mansão final. 

Ó vem! se nunca te cingi ao peito,
Hoje o sepulcro nos reúne enfim...
Quero o repouso do teu frio leito,
Quero-te unido para sempre a mim! 

«E ao som dos pios co cantor funéreo,
E à luz da lua de sinistro alvor,
Junto ao cruzeiro, sepulcral mistério
Foi celebrado, d'infeliz amor. 

Quando risonho despontava o dia,
Já desse drama nada havia então,
Mais que uma tumba funeral vazia,
Quebrada a lousa por ignota mão. 

Porém mais tarde, quando foi volvido
Das sepulturas o gelado pó,
Dois esqueletos, um ao outro unido,
Foram achados num sepulcro só. 

Soares de Passos

Sem comentários: